Os militares que passaram a ocupar vários cargos no Ministério da Saúde após a chegada do general Eduardo Pazuello à pasta tinham interesses muito diversos da saúde quando se formaram nas escolas militares. Levantamento feito pela coluna mostra que de 21 nomes pesquisados, oito publicaram algum trabalho de conclusão de curso, dos quais apenas dois trataram de saúde. Desses dois, só um abordou as doenças infecto-contagiosas.
Os trabalhos são arquivados no banco de dados que reúne os acervos das principais escolas militares, como a Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército) e a EsAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais).
Pazuello, como é sabido desde a posse dele, não tem trabalho na área de saúde. Ele apresentou no ano 2000 sua monografia de 34 páginas como exigência curricular para a obtenção do diploma do curso de Altos Estudos Militares na Eceme, no Rio, considerada a instituição de ensino mais prestigiada na carreira militar.
Com o título de “A organização, o funcionamento e as possibilidade de emprego da companhia logística de suprimento dos batalhões logísticos: uma proposta”, a pesquisa de Pazuello propunha uma mudança na organização que estava em vigor havia 20 anos, segundo ele. “Nesta organização, existem vários aspectos que podem ser melhorados, seja por simples redistribuição das funções e dos efetivos, seja por uma mudança da estruturação básica da subunidade como um todo”, ponderou Pazuello.
Na época major, o atual ministro interino da Saúde explicou que “a guerra moderna tem se tornado cada vez mais dinâmica e técnica, e com isso dependente de equipamentos de última geração”. Assim, “cresceu de importância a atividade logística, a qual sempre esteve presente nos planejamentos dos grandes líderes da história militar”.
“Tanto em tempo de paz como em operações de guerra, o apoio logístico deve fluir por uma estrutura piramidal, que se inicia no Comando Supremo e termina no combatente, quando a ‘ponta da linha’ é atendida em suas necessidades”, ensinou o major Pazuello. Com uma série de organogramas, fluxogramas e tabelas e sem análises e conclusões mais abrangentes, o trabalho se destina ao público técnico interno.
Plano de carreira
Hoje braço direito de Pazuello e “número dois” no Ministério da Saúde, o coronel do Exército Antônio Elcio Franco Filho pesquisou aspectos relacionados ao Plano de Carreira do Exército no seu trabalho de conclusão de curso apresentado em 2012 também na Eceme como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Política, Estratégia e Alta Administração Militar.
O interesse de Franco Filho era sobre o chamou de “atividades especiais críticas” do Exército, que seriam os “combatentes comandos, operadores de forças especiais, mecânicos de aeronaves (de asa rotativa), dobragem/manutenção de paraquedas e suprimento pelo ar, precursores terrestres, guerra eletrônica, artilharia antiaérea, navegação fluvial, condução de embarcações de médio e grande portes, pesquisa e desenvolvimento na área de ciência, tecnologia e inovação”, entre outras.
O coronel achava que os processos de seleção realizados pelo Exército para essas atividades não estavam proporcionando “o devido reconhecimento” dos sargentos especializados. Para Franco Filho, o Exército também estaria deixando de aproveitar os cabos e soldados, que “passam por dificuldades semelhantes e deixam de ser reaproveitados (preparados e promovidos), sendo desperdiçadas as competências desenvolvidas” durante “um período de até sete anos em que permanecem nas fileiras do Exército”.
Franco Filho propôs uma “quebra de paradigmas para a transformação do Exército”. Seria criado “um novo plano de carreira”, de forma a “contribuir para o aumento da operacionalidade da Força Terrestre”.
O coronel usa letras maiúsculas em várias palavras. “Ao perceber a necessidade de se transformar o Exército Brasileiro da Era Industrial para a Era do Conhecimento, foi idealizado um planejamento que determinasse um conjunto de ações estratégicas que conduzirão esta Transformação – um Projeto de Força (PROFORÇA), que apresenta uma concepção, baseada em capacidades, orientando esse processo, o qual será conduzido por Vetores de Transformação, destacando-se entre eles: o de Educação & Cultura; o de Preparo & Emprego; e o de Gestão de Recursos Humanos (RH).”
‘Valorização do mérito’
Logística, o tema de estudo de Pazuello, também foi o escolhido pelo coronel Marcelo Sampaio Pereira, atual diretor de programa da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde. Em 2012, então tenente-coronel, Pereira desenvolveu “A estrutura da base logística conjunto em apoio às operações” como trabalho de conclusão de curso apresentado à Eceme como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em ciências militares.
Em maio, o Ministério da Saúde indicou o coronel Reginaldo Ramos Machado como seu representante no Grupo de Trabalho para a Coordenação de Ações Estruturantes e Estratégicas para Recuperação, Crescimento e Desenvolvimento do País, no âmbito do Comitê de Crise da Covid-19, montado na Casa Civil da Presidência.
Em 2010, ele apresentou seu trabalho “Proposta de aperfeiçoamento da sistemática de valorização do mérito adotada pelo Exército Brasileiro” na conclusão de curso do programa de pós-graduação em gestão de administração pública da Eceme como requisito para a obtenção do grau de especialista em gestão da administração pública.
Machado levantou a necessidade de mudar a Sistemática de Valorização do Mérito adotada pelo Exército. “A prática conduziu a alguns vícios e a necessidade de levantar meios para melhoramento dessa avaliação. Tudo isso para dar maior credibilidade ao sistema, maior transparência e maior satisfação ao público avaliado que é o cliente do serviço”, escreveu o então aluno.
A tenente Laura Tiriba Appi é uma das poucas a entrar no ministério na gestão Pazuello com estudo anterior na área da saúde. O trabalho registrado é bem recente. Em agosto de 2018, ela apresentou à Escola de Saúde do Exército, como requisito parcial para aprovação no curso de formação de oficiais do serviço de saúde, o trabalho de conclusão de curso “Incidência e transmissão de doenças infecto-contagiosas em campanhas militares”.
“Este trabalho trata de uma revisão bibliográfica realizada entre março e outubro de 2018, efetuada através de busca junto à base de dados nacional e internacional, durante a qual foi executado um levantamento da produção científica existente e relacionada à incidência de doenças infecciosas que acometeram militares no exercício da profissão, assim como a aplicação de medidas de controle e rastreamento destas, bem como artigos que descrevem as consequências da sua transmissão em cumprimento do serviço/missão militar. Foram também analisados os artigos que contem registros dos padrões dessas doenças e/ou consequências atribuídas à vacinação”, explicou Laura no resumo do trabalho.]
Os problemas mais comuns entre as tropas apontados no trabalho foram zoonoses, DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), infecções cutâneas, riquetsioses (doenças transmitidas por carrapatos, pulgas e piolhos), arboviroses, malária, diarreia, tétano e gripe.
‘Gestores’
Procurado para falar sobre a formação dos servidores que Pazuello levou para o ministério, o órgão afirmou, em nota, que “conta com um corpo técnico de servidores qualificados que mantêm a normalidade das atividades da pasta. Além de profissionais com experiência em gestão pública e especialistas de diferentes áreas da saúde nas secretarias que compõe o Ministério”.
Segundo o órgão, “o trabalho dos militares complementa as ações do Ministério da Saúde, em especial na área de gestão estratégica, gestão de pessoas, orçamento público, planejamento, execução e logística, aquisições, licitações e contratos além de um amplo conhecimento das características regionais do nosso país continental. Trata-se de uma atividade essencial na condução da resposta brasileira à pandemia, em ações como processos de contratação, entregas de insumos, integração de ações, planejamento de atendimento, remoção de pacientes e necessidades específicas em cada localidade do país, entre outras atividades”.
O ministério informou ainda que “foi instituído o Comitê de Operações de Emergência (COE), que produz, de forma integrada e coordenada entre as secretarias do Ministério da Saúde e a gestão tripartite, uma série de orientações, notas técnicas, notas informativas e protocolos que obedecem a critérios técnicos e embasam a gestão da pasta na tomada de decisões estratégicas”.
No dia 22 de maio, durante uma reunião com secretários estaduais e municipais de Saúde, Pazuello disse que a cessão de servidores da Defesa para a Saúde era temporária. “Em princípio serão só 90 dias. São pessoas preparadas para lidar com esse tipo de crise, e precisamos desse tipo de preparo. […] É temporário e vou ter de substituí-los ao longo dos 90 dias. Vamos substituindo e colocando no momento de maior normalidade.”
Em 9 de junho, durante uma audiência na Câmara dos Deputados para discutir o combate à covid-19, Pazuello disse que preservou vários cargos técnicos, mas que precisava de mais pessoas para cargos “de gestão”. “Com relação à secretaria-executiva, ela é uma secretaria-executiva padrão, como em qualquer ministério. Então, nesse caso, a gente tem ainda muitos gestores trabalhando e eu vou precisar ainda de muita indicação aí para poder substituir essa equipe toda aí durante a minha passagem”, disse o ministro aos parlamentares.
RUBENS VALENTE ” SITE DO UOL” ( BRASIL)