SOBREVOANDO O FUTURO PRETÉRITO

CHARGE DE BENETT

“Pense num absurdo, na Bahia há um precedente”. A predição do ex-governador Otávio Mangabeira inaugurou a banalização dos disparates no Brasil. O surrealismo de Mangabeira decolou. Para ejetar Dilma Rousseff, o establishment arremeteu com uma pedalada institucional e manufaturou o crime a jato. Diante da turbulência transgressora atual, Jair Bolsonaro verga-se diante dos controladores de voos, por ora complacentes. Eles tentam domesticar – o capitão e o tempo – até o desembarque. Se antecipado ou não, as condições meteorológicas dirão diante do céu repleto dos cometas e mau agouro detectados pelo alforriado Fabrício Queiroz.


São dezenas de pedidos de impeachment, investigações no STF por eventual prática de crime comum e julgamentos afunilando no TSE sobre a influência de notícias falsas no resultado da eleição. Rodrigo Maia, Fernando Henrique Cardoso, Gilmar Mendes, Michel Temer, Baleia Rossi e Bruno Araújo – presidentes do MDB e PSDB – se dizem contrários ao abate imediato. Sentaram-se ao lado do centrão, que já embarcou na 1ª classe e lotou as janelas da 2ª. A máscara de oxigênio não é garantia da sobrevivência. As quedas de Dilma Roussef e Collor de Mello estão no painel. As investigações na rota podem incendiar turbinas, irreparáveis pela torre de controle.

A comando da esquadrilha centrista, em heliportos distintos, reorientando os ventos para um curso mais prolongado, recomenda ativar os radares da desconfiança. No alto comissariado da política não há casualidade ou birutas institucionais isoladas. A tolerância diante da aeronave hostil à democracia, à saúde pública, às leis, desgovernada, pirateada e usada até no narcotráfico travou o acionamento imediato dos reversores. A reabertura de duas pistas de investigação no TSE, além das existentes, e bloqueios nas redes sociais projetam um horizonte estendido. A velocidade do TSE é a bússola a ser rastreada. O tribunal, em recesso, reabre o espaço aéreo em agosto, faltando apenas 5 meses para o final do ano.

O protocolo de abates é tão monitorado quanto os painéis dos aeroportos. Processos de impeachment, em tese, quando derrubam o presidente promovem o copiloto. As investigações do STF só escanearam o cartão de embarque do capitão. Há passageiros à esquerda da aeronave vomitando com a perspectiva de ‘generalizar’. Afastamento da chapa na 1 perna do mandato, pleito direto em 90 dias. No segundo trecho da viagem, eleição em 30 dias e apenas com os aeronautas do Congresso. É o colégio eleitoral, anacrônico como o 14 bis, que sugere repetições. As duas últimas hipóteses dependem da maioria dos 7 mísseis do TSE.


As caixas pretas da justiça eleitoral guardam os registros de desastres recentes. O governador de Tocantins, Marcelo Miranda e o vice foram cassados em 2009 por abuso de poder econômico. O TSE delegou à Assembleia Legislativa a definição dos critérios da sucessão, em um placar de 4×3. O STF endossou as regras que elegeu chefe do legislativo local, Carlos Gaguim. No Distrito Federal José Roberto Arruda foi preso e cassado. O vice renunciou e escolha indireta na Câmara local escalou um tampão. Em outros casos, com resultados eleitorais diversos, como Maranhão e Paraíba, convocou-se o 1 da lista de espera, o 2 mais votado.

A eleição indireta arquitetada busca neutralizar os extremos: esquerda e direita. É um plano de voo arriscado, sujeito a intempéries e existência de teto até lá. Legalmente, o colégio eleitoral está no vácuo. A regulamentação do artigo 81 da Constituição inexiste. É um dos mais de 120 itens sem normatização. Uma regra 1964 ajuda no rito e modalidade do voto. Ela, entretanto, não clareia o principal: Os critérios de elegibilidade ou inelegibilidade, como prazos de filiação partidária, desincompatibilização, ficha limpa entre outros.

O Congresso unicameral é outra trepidação. Esse modelo existiu apenas na constituinte e na revisão constitucional. Os votos eram contabilizados unitariamente. Somava-se Câmara e Senado para, obtida a maioria, chancelar o resultado das votações. Atualmente o sistema é bicameral, ou seja, votação nas duas casas, separadamente. Se o Senado eleger um candidato e a Câmara outro? Qual o quórum mínimo? Quem pode disputar? Impasses que adensam a neblina com potencial para interromper o funcionamento do aeroporto.


Em 2017 o TSE julgou a chapa Dilma/Temer. A petista já estava afastada. A eventual condenação implicaria na inabilitação do vice e eleição indireta. Dois ministros do STF, Rosa Weber e Luis Fux votaram pela cassação da chapa. Gilmar Mendes taxiou em favor de Temer. Àquela altura o magistrado tinha uma pré-reserva para embarcar no colégio eleitoral, mas ela implicava em abolir brevês políticos, como filiação e desincompatibilização. Não deu certo. A despressurização a bordo chacoalhou tudo. O voto minerva de Mendes, então presidente do TSE, conservou Temer no manche por 4 votos a 3. Os manuais de voo colidiram e obrigou a uma aterrissagem de barriga.

Os tripulantes do TSE mudaram. Só Tarcísio Vieira Neto, contra aquela cassação, permanece na poltrona. O ministro Fux deu um voto conceitual, incisivo. “Hoje vivemos um verdadeiro pesadelo pelo descrédito das instituições, pela vergonha, pela baixa estima que hoje nutrimos em razão do despudor dos agentes políticos que violaram a soberania popular. O ambiente político hoje está severamente contaminado. E a hora do resgate é agora”. Rosa Weber escorou:
“Inegável a gravidade, indisfarçável o reflexo eleitoral”.


O colégio eleitoral no Brasil, de inspiração autoritária, se transformou em obscenidade e foi abatido na Constituinte, depois da frustração das “Diretas Já”. Foram eleitos por este sistema, anacrônico e elitista, os militares Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, João Figueiredo, Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. O civil chancelado pelo modelo indireto foi Tancredo Neves, tendo o senador José Sarney como vice, que acabou assumindo a titularidade com a morte do mineiro.

O programa de milhagem da elite manobra esticar a crise até a segunda metade do mandato para duplicar os pontos do centro. É um voo cego com riscos à fuselagem democrática, à saúde e à vida. Em 2017 o colégio eleitoral provocou overbooking. Vários passageiros disputavam o upgrade para mesma cadeira. Gilmar Mendes segue na cabine do Judiciário e Rodrigo Maia pilota a Câmara. A conexão das indiretas, descalibrada, pode cancelar o voo por excesso de malas. No Brasil dos precedentes baianos, o futuro do pretérito, além de um tempo verbal ilógico, conjuga-se como uma condenação imutável ao passado.

WEILLER DINIZ ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)

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