O “me engana que eu gosto” é um dos “esportes” preferidos do mundo financeiro.
Todos os dias você lê que “o mercado” está de bom ou de mau humor, esperançoso de alta, etc, etc…
Vivemos um tempo que só nisso é pródigo, pois todo o resto é sombrio, e muito.
José Paulo Kupfer – que reputo um dos mais sérios jornalistas econômicos – adverte, em sua coluna de ontem no UOL, “que uma ‘recuperação’ da economia, quando o fundo do poço da atividade econômica fosse deixado para trás, deveria vir acompanhada de aspas, tal a magnitude da alteração nos parâmetros de medição da marcha econômica causada pela pandemia de Covid-19” e que isto está servido para muita gente desencadear “propaganda enganosa” de que a economia vá retomar a sua situação anterior ou até entrar num ciclo de expansão.
Kupfer mostra que é evidente que algum crescimento em relação à paralisia total há de acontecer: o consumo possível ficou represado e, pelas lojas reabertas ou pela via eletrônica, acaba por se realizar. Mas mede a realidade comparando com o que havia pré-pandemia – e já estava, então, longe de ser bom – e alerta que esta recuperação é, na verdade, estarmos cerca de 20% abaixo de fevereiro, quando já se registrava contração econômica.
Some agora dois fatores.
O primeiro, a injeção líquida de R$ 50 bilhões mensais, desde março, pelo pagamento do auxílio emergencial, além de outros aportes, via FGTS, PIS, irrigando – e corretamente – o consumo das parcelas mais pobres da população. Embora prorrogado, é certo que terá de ser cessado – seu custo anual é de 8% do PIB brasileiro – e ninguém crê que o mercado de trabalho possa dar conta de absorver dezenas de milhões de pessoas que não tinham ou perderam sua renda.
O segundo é o quadro de déficit fiscal – e não só pelo auxílio – que vai chegar a níveis inéditos e ameaça jogar o país na vala comum das nações que devem mais do que seu próprio PIB anual. Em si, não seria um problema, se este endividamento se refletisse em ampliação da infraestrutura, da capacidade produtiva e em postos de trabalho, mas não é assim que ele está sendo construído.
A aposta de que o fluxo de capitais estrangeiros, dispostos a comprar o Brasil na “xêpa”, virá nos salvar não tem nenhuma base real. O Banco Central anunciou ontem que a saída líquida de capital do Brasil para o exterior bateu o recorde do desastroso 1° semestre de 2016: o Brasil perdeu US$ 38,143 bilhões líquidos em investimentos estrangeiros de janeiro ao final de junho.
Note que sequer se abordou aqui a devastação da imagem do Brasil no exterior.
Há uma terceira questão – ainda não um problema, mas uma ameaça – que é a possibilidade, cada vez mais próxima, de que o agravamento da pandemia, aqui e nos EUA (que ontem registraram um recorde de contaminações, 60 mil em 24 horas) empurre outra vez para baixo os níveis de atividade já deprimidos.
O comportamento bovino que o bolsonarismo instalou no país e que domina boa parte do pequeno empresariado e da classe média impede que se veja o mergulho do Brasil num poço de estagnação e mesmo de retração inédita de nossa economia.
Falta apenas anunciar o plano Cloroquina de recuperação econômica.
FERNANDO BRITO ” BLOG TIJOLAÇO” ( BRASIL)