A HORA E A VEZ DE FAZER JUSTIÇA A PORTUGAL E A MELO PIMENTA

O Representante em São Paulo do semanário Portugal em Foco, meu querido amigo Armando Torrão, transmontano fronteiriço às Espanhas, natural de Miranda do Douro, presenteou-me, recentemente, com um precioso ensaio do historiador luso-brasileiro José de Melo Pimenta, “De Sagres à Índia”, lançado há 60 anos, pela Editora Byblos – um valioso volume, em tiragem única, que enriqueceu as estantes lusófonas de minha biblioteca no bairro paulistano de Higienópolis.

O livro foi publicado um ano antes, portanto, da triste capitulação da Índia Portuguesa aos independentistas de Nova Délhi, ocorrida em 17 de dezembro de 1961, quando a União Indiana, criada por Mahatma Gandhi (1869 – 1948), tomou de assalto, com cerca de 40 mil homens, as localidades de Goa, Diu e Damão, às margens do Oceano Índico, que estavam sob controle de Lisboa praticamente há 500 anos, ou seja, desde a proeza marítima da chegada do alentejano Vasco da Gama (1469 – 1524), em 1498, a Calicute.

A obra de Melo Pimenta, que, se vivo fosse, completaria 100 anos neste 2020, narra a epopeia da viagem do Almirante de Sines, e de como o Príncipe Perfeito, Dom João II (1455 – 1495), baseando-se nos estudos da Escola de Sagres, organizou, por fim, a verdadeira ida à Índia. Ao contrário do genovês Cristóvão Colombo (1451 – 1506) que, à serviço de Castela, acreditou ter alcançado a Ásia, ao avistar a caribenha ilha dividida, atualmente, entre a República Dominicana e o Haiti.

Registra “De Sagres à Índia”, igualmente, as adversidades dos primeiros soberanos lusitanos do Oriente, dentre os quais, destaca-se, sobretudo, o legendário Leão dos Mares, Afonso de Albuquerque (1452 – 1515), que passaria à História também como O César do Oriente, conquistador da Índia, onde seria coroado Vice-Rei pela Corte lisboeta dos Avis, estabelecendo sua metrópole justamente em Goa.

Melo Pimenta foi autor incansável. Escreveu mais de 30 livros e assinava regularmente colunas nos periódicos da imigração portuguesa da segunda metade do século passado. Mas, diferentemente de outros historiadores formados no universalismo de mestres como Alexandre Herculano (1810 – 1877), Oliveira Martins (1845 – 1894) e Jaime Cortesão (1884 – 1960), não dedicou sua produção aos mundos que Portugal deu ao mundo, porém, à comunidade lusitana em São Paulo.

Bateu-se, quase sempre, dos anos 1940 a 1980, contra a ‘tímida’ presença na sociedade paulistana da imensa ‘colônia’, calculada à época em aproximadamente 600 mil pessoas – contrastando profundamente, por exemplo, com o ‘ativismo’ de italianos, libaneses, japoneses, espanhóis, alemães, sírios, armênios e comunidades judaicas provenientes de vários países da Europa, Ásia e África. Foi intransigente também na defesa do fundador da cidade de São Paulo, o jesuíta transmontano Manuel da Nóbrega (1517 – 1570), para que fosse homenageado nas datas festivas da capital paulista, bem como ao valoroso bandeirante António Raposo Tavares (1598 – 1658), dito O Velho, alentejano de Mértola, nascido numa família de origem judaica.

O autor compilaria, em 1987, um curioso trabalho com textos elaborados ao longo de 40 anos para os semanários Mundo Português e Voz de Portugal, ambos do Rio de Janeiro, que circularam até o final do século XX. A peça tem como título “Justiça a Portugal” e se refere às críticas que fazia constantemente aos ‘indiferentes’ lusos em São Paulo. Estes, sentindo-se plenamente aqui integrados, pouco se empenhavam em exaltar os fortes laços que unem ainda hoje os brasileiros à antiga metrópole. Os artigos de Melo Pimenta continuam, infelizmente, de grande atualidade.

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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