
Privatizar sem resolver a questão da regulação, e da apropriação das agências reguladoras pelas empresas, é empulhação. Enquanto não houver controle social sobre os contratos, não haverá universalização nem com estatais nem com empresas privadas.
Há uma ameaça de privatização da água, sim, mas não na PL do saneamento – ao contrário do que supus ontem.
O ponto que me chamou a atenção foi o parágrafo que separava o saneamento da produção de água. A separação tem lógica, segundo me explicaram juristas especializados no tema.
Saneamento é uma concessão municipal. Cabe ao município definir a melhor alternativa para ele. Já a produção de água consiste em levar a água até o município. E o direito de concessão das águas varia: para rios municipais (raros), o poder concedente é o município; para os rios que correm apenas em um estado, é do estado; e para os rios que atravessam vários estados, é da União. Daí a necessidade de separação do poder concedente.
Admitem que o PL é confuso, inclusive criará problemas do lado fiscal. Mas a ameaça de privatização das águas está em outro Projeto de Lei em tramitação.
No caso de São Paulo, por exemplo, na grande crise hídrica de anos atrás, coube a Sabesp buscar água em locais mais distantes. E aí se entram em duas discussões relevantes sobre o tema.
A primeira, o da estatização vs privatização.
A segunda, o do municipalismo vs centralização.
Há uma discussão enorme sobre vantagens e desvantagens de cada uma.
As estatais são menos transparentes nos indicadores de eficiência; as privadas são menos transparentes nos indicadores de resultados – isto é, índices de universalização, de redução de morbidades etc.
As estatais têm menos preocupações com custos; as privadas têm tanta preocupação que, em geral, precarizam os serviços.
A discussão sobre municipalização vs centralização é idêntica. Os municípios sabem cuidar melhor do seu saneamento do que o Estado ou a União. Há bons estudos sobre isso.
Por outro lado, a busca de soluções municipais impede a universalização. Em outros momentos, a universalização se dava através de subsídio cruzado: o lucro nas áreas mais rentáveis exigia, como contrapartida, o atendimento das regiões de menor poder aquisitivo.
Deixar a solução por conta de consórcios municipais é acreditar na mão invisível do municipalismo. Nenhum prefeito de cidade rica irá penalizar seus consumidores para garantir o atendimento da cidade pobre. Portanto, nem municipalismo nem consórcios garantem a universalização.
Portanto, a universalização exigirá ou saídas tarifárias (através do subsídio cruzado, como ocorreu com o Luz para Todos), ou saídas tributárias.
No fundo, toda essa discussão reflete um velho vício brasileiro: o da incapacidade de montar modelos de gestão federativa eficazes, preferindo resolver tudo via legislação.
No auge da abundância fiscal, Dilma Rousseff colocou dinheiro à vontade para saneamento. E projetos não apareciam pela simples razão de que os municípios não tinham experiência nem conhecimento para montar projetos. O governo caçava projetos, para poder dar vazão aos recursos, e nada.
A solução ideal demandaria um modelo de gestão eficiente, transparência e controle compartilhado. Seria assim:
- A Agência Nacional de Água seria a cabeça de uma rede de agências de água regionais, cada qual com representantes de produtores, consumidores e grupos representativos dos direitos coletivos.
- Tendo a Caixa Econômica Federal como agente financeiro, caberia a essas agências preparar os municípios para a escolha adequada do modelo de concessão.
- Caberia às agências estaduais, também, o estímulo à formação de consórcios e ao aprimoramento dos consórcios já existentes em bacias hidrográficas,.
Principalmente: teria que haver leis para garantir governança, controle social sobre as agências estaduais.
Tentar resolver apenas via lei vai produzir o pior dos mundos, as estatais sem preocupação com eficiência, as empresas privadas sem cuprpir metas de unversalização.
Privatizar sem resolver a questão da regulação, e da apropriação das agências reguladoras pelas empresas, é empulhação. Enquanto não houver controle social sobre os contratos, não haverá universalização nem com estatais nem com empresas privadas.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)