O NOVO CENTRO DO PODER NO BRASIL: O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O STF emergirá do dilúvio como a barca de Noé, a instituição que, finalmente, assumiu suas responsabilidades constitucionais e foi central para garantir a democracia.

Peça 1 – os vácuos de poder

O bolsonarismo se beneficia dos vácuos de poder. Após o impeachment, ocorreram quatro movimentos simultâneos:

  1. A ressaca das instituições, quando sai de cena o grande álibi sancionador de todos os abusos, o antipetismo.
  2. A bandeira única da anticorrupção, ainda uma onda hegemônica alimentada pelos ecos da Lava Jato e pelo aval dado por Sérgio Moro, com sua entrada no governo.
  3. O aval do Poder Militar, em cima das atitudes irresponsáveis do ex-Comandante do Exército, general Villas Boas, adotando a candidatura de Jair Bolsonaro e tornando as FFAAs eternamente responsáveis pelas consequências.
  4. O compromisso com o desmonte social, que bate com o profundo preconceito contra minorias e movimentos que marca o anti-pensamento de Bolsonaro, garantindo o apoio do mercado.

Bolsonaro ganhou espaço para matar a lógica, a moral, a ética pública. Ocupou os espaços acompanhado de sua troupe, influenciadores digitais e empresários de ultradireita, o que de pior o Brasil já produziu, tendo na retaguarda a ameaça militar simbolicamente representada pelos militares que levou para o governo.

Representava o anti-sistema e, antes de ganhar um rosto definido, cada setor imaginava-o de uma maneira idealizada, como se fosse possível erradicar do seu caráter o apoio à tortura, à morte, as ligações com milícias.

Ao mesmo tempo, a onda de ultra direita promoveu uma mudança radical na composição do Congresso, com a chegada de vários deputados ligados à guerrilha digital bolsonarista.

TInha-se, ali, a receita para o endurecimento do regime.

E os Bolsonaros deitaram e rolaram em cima desse pacto tácito, estimulando a violência digital, facilitando a importação de armas, flexibilizando a fiscalização do contrabando, atacando adversários, com empresários financiando as milícias digitais, preparando-se para o embate direto com as instituições.

Peça 2 – os fatores de desgaste

Os absurdos cometidos pelos Ministros fundamentalistas, os arroubos retóricos de Bolsonaro, os indícios de envolvimento com o crime organizado, passaram a desgastar progressivamente Bolsonaro.

Houve alguns episódios centrais que aceleraram o isolamento dos Bolsonaro:

  1. A demissão de Sérgio Moro. Antes dele, o esvaziamento da Lava Jato, Nas milícias digitais, o discurso anticorrupção da Lava Jato foi inteiramente substituído pelas pirações retóricas de Carlos e Eduardo Bolsonaro e dos Youtubers de direita, aumentando gradativamente os ataques às instituições.
  2. O fracasso do combate ao Covid, no plano político, social e econômico.
  3. Os absurdos reiterados da área fundamentalista do governo.
  4. Os julgamentos internacionais sobre o país, gradativamente transformado em pária da ordem internacional. As impropriedades na área internacional, especialmente os ataques gratuitos à China.
  5. O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, acabando de vez com a narrativa de que os militares bolsonaristas poderiam manter Bolsonaro sob controle.
  6. A demissão de dois Ministros da Saúde que não aceitaram compactuar com as loucuras de Bolsonaro.

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Peça 3 – ocupando os vácuos de poder

Para se organizar institucionalmente, as corporações – militares, jurídicas – necessitam de um polo agregador, um centro de poder em torno do qual os demais se organizem.

Progressiva e rapidamente, Bolsonaro se mostrou incapaz de ser esse poder central. Pelo contrário, tornou-se fonte permanente de confusão, de desordem, tanto diretamente quanto através de suas milícias.

Com o Covid-19, seu governo registrou o tríplice fracasso, nas frentes de saúde, econômica e social.

Mesmo assim, havia um problema no ar: os vácuos de poder. Para anular qualquer veleidade do Poder Militar, havia a necessidade do surgimento de um novo centro atuando como poder moderador.

A Câmara Federal, através de Rodrigo Maia, iniciou a primeira reação contra as loucuras de Bolsonaro, mas dentro dos limites do legislativo.

No STF (Supremo Tribunal Federal), ainda havia os ecos do Twitter de Villas Boas, em plena campanha eleitoral, colocando os 11 magistrados para correr. E os ataques que sofria especialmente das milícias digitais que gravitavam em torno da Lava Jato do Paraná, e mesmo ataques pessoais dos próprios procuradores paranaenses, poderosos ante o apoio que obtinham na mídia e nas milícias digitais.

Esse mundo começou a ruir com a ida de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça de Bolsonaro, expondo a hipocrisia do justificialismo de negócios. E, depois, pela imprudência da montagem da fundação de R$ 2,5 bilhões para promover a bandeira do punitivismo político.

A trinca no cristal da Lava Jato abriu a brecha para a primeira reação do STF, a abertura do inquérito das fake news pelo presidente Dias Tofolli, com a relatoria entregue ao Ministro Alexandre de Moraes.

Ali começou a mudança de jogo, acelerada pela Vazajato, o vazamento das conversas privadas dos curitibanos, expondo de maneira exemplar a hipocrisia dos “iluministas” e dos “ homens de bem”.

Antes disso, havia duas milícias digitais agindo de forma simbiótica, a lavajatista e a bolsonarista. A Lava Jato forneceu as bases para as milícias bolsonaristas, não apenas o discurso anti-sistema, como seus seguidores, as palavras de ordem, os limites para o afrontamento das instituições.

Com sua saída de cena, o bolsonarismo perde o discurso legitimador. O moralismo seletivo anti-PT é substituído pela guerra ao marxismo cultural e outras pirações restritas à ultra-direita.Leia também:  Bolsonaro comete três crimes ao incentivar invasão de hospitais de campanha contra coronavírus

A necessidade de manter diariamente a chama acesa faz com que sejam liberados os Ministros fundamentalistas para toda sorte de extravagâncias medievais. E a cara do governo Bolsonaro fica cada vez mais as figuras caricatas dos Ministros da Educação, das Relações Exteriores, da Mulher.

Não havia limites, também, para o modelo da militância. Esse tipo de discurso de catarse desperta uma demanda do público mais que proporcional ao atendimento das expectativas pelos atores políticos.

Figura menor, Bolsonaro não tinha coragem de moderar a escalada radical da sua tropa, com receio de perder apoio da base de apoio que lhe restou. E, de exagero em exagero, chegaram aos ataques virulentos contra as instituições, especialmente o Supremo Tribunal Federal e seus ministros.

Como as duas redes – lavajatistas e bolsonaristas – eram simbióticas, não houve a menor dificuldade para Alexandre de Moraes direcionar o inquérito das fake news para o Gabinete do Ódio e similares. As redes eram as mesmas, provavelmente os financiadores eram os mesmos, mudava apenas a fonte original de mensagens. Saia a Lava Jato, seus vazamentos e conclamações políticas, e o discurso passava a ser suprido pelas pirações dos olavistas, com sua irracionalidade atlântica, afastando cada vez mais o bolsonarismo da lógica das instituições normais, Forças Armadas e Judiciário.

Isolando-se cada vez mais, Bolsonaro passou a reagir pavlovianamente. Toda semana, um discurso radical, uma conclamação irresponsável, seguidos de um recuo inconvincente. E, periodicamente, ele e seus generais insinuando a possibilidade do Poder Militar entrar em cena.

Até que o STF pagou para ver.

Peça 4 – o papel de Alexandre Moraes e do STF

Alexandre de Moraes teve papel central em desmascarar o blefe bolsonarista, através de uma serie de medidas corajosas, nem sempre constitucionais:

  1. A suspensão da nomeação do novos superintendente da Polícia Federal por Bolsonaro.
  2. Busca e apreensão em casas de Youtubers bolsonaristas.
  3. Denúncia contra o Ministro da Educação Abraham Weintraub, sujeitando-se à represália física das milícias.
  4. Reconhecimento do poder de estados e municípios de definirem o isolamento.
  5. Revogação de diversos atos de governo

Com essas medidas, expos o rei nu, o tigre banguela, consolidando o novo centro de poder moderador, o Supremo.

Imediatamente, clareou o jogo político, especialmente o papel dos militares no governo.

À medida em que a pressão aumentava, um a um os generais de Bolsonaro colocaram as mangas de fora e as cartas na mesa. O vice-presidente Hamilton Mourão esqueceu o script de democrata civilizado e saiu chutando o pau da barraca. Ministro-Chefe da Secretaria de Governo, o General Luiz Eduardo Ramos vestiu a farda de companheiro de quartel de Bolsonaro, e saiu disparando ameaças vãs. O general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, passou a se comportar como um tuiteiro bolsonarista convencional. O Ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, mostrou que era Ministro de Bolsonaro, não das Forças Armadas.Leia também:  General Ramos alerta oposição para ‘não esticar a corda’

Agora, o governo Bolsonaro afunda representando o maior desastre de imagem da história das Forças Armadas.

O fracasso da luta contra o Covid-19 destruiu a tentativa de convencer que quadros militares seriam melhores que quadros civis em funções eminentemente civis.

Peça 5 – os próximos capítulos

Esta semana, o Ministro Gilmar Mendes visitou o Alto Comando Militar. Coincidência ou não, após o encontro deu declarações se dizendo a favor da reconciliação nacional, da normalidade política, da esperança de que caia a ficha de Bolsonaro. Em outra oportunidade, declarou que o julgamento do TSE será eminentemente técnico – isto é, não se baseará em critérios políticos como, por exemplo, uma eventual preocupação com a normalidade democrática.

Mero recurso retórico, preparando os espíritos em geral para o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, que deverá decidir o futuro da chapa Bolsonaro-Mourão.

Já há consenso no STF, na mídia, no mundo civilizado, que Bolsonaro é uma ameaça irreversível, incompatível com qualquer normalidade democrática. E há indícios de sobra de que o inquérito das fake news baterá nos financiadores da candidatura Bolsonaro, abrindo caminho para a cassação da chapa.

Daí a necessidade de despolitizar as decisões, sabendo haver provas em abundância para convalidar tecnicamente a cassação da chapa.

Em breve, o país se debruçará sobre os temas pós-Bolsonaro, a maneira como será reconstruída a institucionalidade. E, especialmente, como se comportará o novo STF.

O STF emergirá do dilúvio como a barca de Noé, a instituição que, finalmente, assumiu suas responsabilidades constitucionais e foi central para garantir a democracia. Mas tem um histórico preocupante de seletividade política, de protagonismo oportunista, de exacerbação do personalismo, especialmente se mantiver os poderes acumulados nessa guerra mundial contra Bolsonaro.

A grande reconstrução institucional se dará se houve o pacto geral, impedindo manobras oportunistas, um grande acordo, como o que garantiu a transição no governo Itamar, um interregno nas disputas políticas, na destruição das políticas sociais, trazendo todos os jogadores para discutir as saídas econômicas, políticas e sociais do país.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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