Nos últimos dias, as manobras do governo brasileiro para dificultar o acesso à informação relativa aos casos de covid-19 no Brasil aproximaram o Planalto às práticas de censura registradas em outras partes do mundo e a alguns dos regimes mais autoritários do mundo.
Desde sexta-feira, os números acumulados de casos e mortes deixaram de ser divulgados desde ontem pelo Ministério da Saúde. O site que agrupa as informações foi retirado do ar por várias horas no fim de semana, enquanto as coletivas de imprensa se tornaram mais raras, com menos informação e, em alguns casos, canceladas em cima da hora. Quando o site retornou, o histórico sobre a pandemia havia desaparecido e o número acumulado de casos e mortes foi apagado.
Não há, portanto, como saber a curva da pandemia no Brasil, se ela perde força ou continua intensa.
Na ONU, o acesso à informação é um dos pilares da resposta a uma pandemia e, pelas regras da OMS, o governo brasileiro é obrigado a submeter o número de novos casos registrados, com detalhes até mesmo sobre a faixa etária dos contaminados.
Mas o comportamento de Brasília chamou a atenção dos órgãos internacionais e relatores dos órgãos relacionados às Nações Unidas, já que a censura ou a dificuldade em garantir acesso à informação têm sido táticas de governos pouco democráticos.
Se mantida, a tática do governo será colocada sob o questionamento dos organismos internacionais, que se prepararam para pedir esclarecimentos ao Brasil. O país vai na contramão de quase a totalidade de governos democráticos.
O time de nações com más administrações
Bolsonaro, se seguir o que seu governo vem indicando nos últimos dias, colocará o país numa espécie de “lista suja” de administrações que têm optado por abafar a dimensão da crise.
Na Tanzânia, o governo questionou o profissionalismo dos laboratórios nacionais e optou por suspender todas as atualizações sobre os números de casos. No Turcomenistão, o governo simplesmente passou a proibir o uso do termo coronavírus e o acesso à informação é praticamente impossível.
Nesta semana, a ONU ainda preparou uma lista de países asiáticos que têm aumentado a repressão contra a imprensa e redes sociais por indicar a situação da doença no país. Uma tendência tem sido a de usar o termo “fake news” como argumento para prender jornalistas ou simplesmente impedir o acesso de um grupo às informações oficiais sobre os números de casos.
Na China, o Escritório de Direitos Humanos da ONU recebeu informações sobre mais de uma dúzia de casos de profissionais médicos, acadêmicos e cidadãos comuns que parecem ter sido detidos, e em alguns casos acusados, por publicarem seus pontos de vista ou outras informações sobre a situação relacionada à COVID-19, ou que foram críticos em relação à resposta do governo ao surto. Estes casos incluem dois jovens estudantes de pós-graduação que foram detidos em abril, após a criação de um repositório on-line de conteúdo web relacionado ao surto da COVID-19 na China.
Fake news e mordaça
Na Indonésia, pelo menos 51 pessoas estão sendo investigadas sob a lei de difamação por supostamente espalharem “notícias falsas” sobre a pandemia, incluindo três homens que foram presos por divulgarem uma mensagem nas redes sociais alegando que uma área do norte de Jacarta tinha casos de COVID-19 após o governo ter pulverizado a região.
Na Malásia, a Comissão de Comunicações e Multimídia (MCMC) abriu pelo menos 265 documentos de investigação em conexão com a disseminação de supostas notícias falsas sobre a COVID-19, com 29 indivíduos alegadamente acusados em tribunal.
Em Mianmar, em 3 de abril, três artistas no estado de Kachin foram acusados por pintar um mural da COVID-19 considerado insultuoso ao budismo. Em 21 de maio, o Tribunal Estadual de Kayin condenou e condenou a 2 anos de prisão o editor chefe da Agência de Notícias Dae Pyaw por fazer uma “declaração que poderia causar ou incitar o medo ou motim do público”. A agência de notícias havia publicado um artigo em 13 de maio declarando que uma pessoa morreu em Kayin devido ao vírus, o que se revelou não ser exato. Ele foi preso, acusado, julgado e condenado em menos de uma semana.
No Nepal, jornalistas foram detidos enquanto cobriam notícias relacionadas à pandemia. Houve também incidente com jornalistas enfrentando obstrução das autoridades, e relatos de ameaças e ataques físicos contra jornalistas.
Punições por falar sobre coronavírus publicamente
Na Tailândia, o “Anti-Fake News Center” do Ministério da Economia e Sociedade Digital e a Divisão de Repressão ao Crime Tecnológico da Real Polícia Tailandesa estão conduzindo operações conjuntas para tratar de conteúdo em redes sociais considerados como “desinformação”.
Há preocupações de que as pessoas que levantam questões legítimas de interesse público relacionadas à COVID-19 também estão sendo alvo, e tal ação pode criar um clima de autocensura. Um exemplo é um artista tailandês preso em 23 de abril por postar preocupação com a aparente falta de medidas de rastreamento no aeroporto de Suvarnabhumi. Ele foi libertado sob fiança e foi indiciado.
Em Bangladesh, dezenas de pessoas foram presas sob a Lei de Segurança Digital nos últimos três meses por supostamente terem espalhado informações errôneas sobre a COVID-19 ou criticado a resposta do governo. Jornalistas locais e defensores dos direitos humanos, alguns profissionais de saúde, bem como alguns membros do público em geral, têm relatado assédio ou represálias por reclamar de negação de assistência médica, instalações inadequadas ou irregularidades na distribuição de socorro.
Em alguns casos, jornalistas ou outros observadores têm sido agredidos fisicamente por tentarem documentar supostas más práticas por parte do governo.
No Camboja, o Escritório de Direitos Humanos da ONU documentou a prisão de 30 indivíduos, incluindo seis mulheres e uma menina de 14 anos, por comentários públicos relacionados à COVID-19 nas redes sociais. Vários foram acusados de divulgar as chamadas “notícias falsas” ou “informações falsas”, alegado incitamento à prática de um crime, e por supostamente conspirar contra o Governo. Quatorze permanecem detidos, 10 dos quais estão associados ao Partido de Resgate Nacional do Camboja (CNRP), o principal partido de oposição dissolvido em 2017.
JAMIL CHADE ” SITE DO UOL” ( GENEBRA / BRASIL)