Desigualdades potencializam crise
Isolamentos mais duros e longos
Mergulho da economia será maior
A evolução da pandemia da covid-19 no Brasil está cumprindo o pior prognóstico que se previa para ela. Mesmo sem contar a notória e larga subnotificação, o país caminha a passo cada vez mais acelerado para ocupar um lugar de destaque no número de infectados e, infelizmente, no de mortos. É preciso dar nome ao que está ocorrendo e o nome do que ocorre é caos sanitário, humanitário e social.
Há colapso nos sistemas de saúde e até nos funerários. Enterros em valas comuns, containers frigoríficos para empilhar cadáveres, mortos em casa ou mesmo na rua, aguardando remoção —essa já é a realidade do dia a dia. E o que pode vir em seguida já começou: em Belém, populares derrubaram os portões de um hospital lotado para que pessoas em busca de atendimento pudessem entrar.
Com uma atuação vacilante e negacionista, conduzindo o país a sucessivas crises políticas e institucionais em meio à pandemia, o presidente Jair Bolsonaro, como também não era difícil de prever, não está conseguindo salvar vidas nem a economia, como ele insistia ser seu objetivo, na insana cruzada que mantém contra o isolamento. Vidas não estão sendo salvas e a economia vai afundar mais, e demorar para começar a se recompor.
Era sabido, pelo que foi possível observar nos lugares nos quais a covid-19 já passou pelo auge do contágio, que quanto mais rápidos e efetivos fossem os esquemas de isolamento, mais cedo e com menos dificuldades a atividade econômica poderia ser retomada. Ainda que com intermitentes novos períodos de isolamento, o que é esperado daqui para a frente até o advento de uma vacina eficaz contra o vírus, onde a contenção da infecção se deu com mais eficiência, as condições de funcionamento da economia se mostraram muito melhores.
É sob o “incentivo” de Bolsonaro que o Brasil não terá esse benefício. O resultado de toda essa crise de governança, paralela à crise sanitária, aparecerá no endurecimento não planejado das medidas de isolamento, inclusive sob decisão judicial, como já está ocorrendo. Brasileiros devem esperar confinamentos mais rígidos e prolongados, como, por sinal, já se acena para a cidade de São Paulo.
Cabe também ao até recentemente superministro Paulo Guedes parte da responsabilidade. Guedes se enredou num emaranhado ideológico fora de moda e demorou demais para entender a imensidão do problema. Da bravata segundo a qual o coronavírus seria aniquilado com R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões à constatação de que pode ser o caso de imprimir dinheiro para enfrentar a pandemia, passaram-se 50 dias. Um tempo muito longo e não disponível foi perdido.
Quando a história desse dramático período for contada, haverá um capítulo tragicômico para as propostas iniciais de Guedes de enfrentamento da pandemia. Estará lá o momento em que ele enviou ao Congresso uma lista de medidas para enfrentar a pandemia, na qual constava uma esdrúxula privatização da Eletrobras. Também constará a preocupação totalmente fora de hora e isolada do resto do mundo, com os riscos de desajustes fiscais.
A marcha da covid-19, principalmente nos centros urbanos brasileiros, obedeceu a uma trilha facilmente previsível. A pandemia veio importada pelos viajantes ricos e de classe média que retornavam do exterior, em locais onde a doença já se instalara, lotando primeiro os hospitais particulares dos bairros mais nobres. Mas disseminou-se, rapidamente, pelas áreas mais distantes do centro e daí para as periferias e as aglomerações das favelas.
Foi nesse ponto que a pandemia da covid-19 se encontrou com a pandemia social de que o Brasil padece cronicamente. Os altíssimos níveis de pobreza e a abismal desigualdade de renda se expressam, entre tantas outras mazelas brasileiras, na desigualdade de acesso aos serviços de saúde, saneamento básico e condições de moradia. Agora potencializarão as estatísticas mórbidas da crise sanitária e a transformarão, lamentavelmente, numa inédita crise humanitária.
JOSÉ PAULO KUPFER ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)