A sobrevivência de Bolsonaro no cargo depende de três fatores. A primeira é a investigação desencadeada pelo Sr. Moro. Seu resultado pode depender de a suposta má conduta do presidente for comprovada.
Em 19 de abril, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, subiu em um caminhão do lado de fora do quartel-general do Exército em Brasília para apoiar manifestantes que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Logo depois, segundo o jornal Folha de S. Paulo, ele soube que a polícia federal estava investigando acusações de que um de seus filhos, Carlos, administra uma rede de notícias falsas on-line que pode ter inspirado o protesto. Em 24 de abril, Bolsonaro demitiu o chefe da polícia federal. Horas depois, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, renunciou. Ele acusou o presidente na televisão de “interferência política” na polícia para proteger sua família.
A renúncia de Moro é o maior golpe político para Bolsonaro desde que ele se tornou presidente no início de 2019. Capitão do exército que virou congressista, Bolsonaro se levantou da obscuridade ao explorar a raiva contra a corrupção. A nomeação de Moro como ministro da Justiça de Moro, um juiz que prendeu vários políticos e empresários como líder das investigações anticorrupção de Lava Jato, sinalizou sua determinação em combater o roubo. Agora, Moro, um herói para muitos brasileiros, acusou seu ex-chefe de obstruir a Justiça. Se uma investigação apoiar essa alegação, Bolsonaro poderá ser impugnado.
Essa crise está no topo de duas calamidades: a pandemia da covid-19 e a crise econômica que a sucedeu. Em 16 de abril, Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, que se recusou a apoiar suas demandas de que lojas e escolas reabrissem. Alguns apoiadores estão desiludidos. “Votei em Bolsonaro na esperança de um Brasil melhor”, diz Ary, motorista de táxi na cidade de Maceió. “Mas foi tudo em vão“.
As alegações contra Carlos Bolsonaro não são as primeiras a serem levantadas contra a família do presidente. Antes de assumir o cargo, o Ministério Público abriu uma investigação sobre um possível desfalque por seu filho mais velho, Flávio, agora senador do Rio de Janeiro. Documentos publicados pelo site de notícias ‘Intercept’ sugerem que ele usou dinheiro público para financiar projetos de construção ilegais administrados por milícias de direita. Agora, Moro acusou o próprio presidente.Leia também: Mercado especula dólar a 7 reais com crise política e coronavírus
A sobrevivência de Bolsonaro no cargo depende de três fatores. A primeira é a investigação desencadeada pelo Sr. Moro. Seu resultado pode depender de a suposta má conduta do presidente for comprovada. As coisas não estão indo como ele poderia desejar. A pessoa que ele nomeou para o novo chefe de polícia é um amigo da família. Mas em 29 de abril, um juiz da Suprema Corte suspendeu a nomeação. Bolsonaro diz que vai recorrer dessa decisão. O juiz havia decidido anteriormente que um novo chefe não poderia mudar os policiais que lideravam investigações sobre as ações dos filhos de Bolsonaro, que negam irregularidades.
A segunda arena de julgamento é o Congresso, que pode despejar um presidente do cargo por maioria de dois terços das duas casas. Para evitar isso, Bolsonaro está se aproximando do Centrão, um bloco de partidos ideologicamente vazios. Ele abandonou sua promessa anterior de não dar aos legisladores benefícios, como empregos no governo para seus aliados, em troca de apoio político. O impeachment “não é do interesse do Congresso”, diz Ricardo Barros, deputado federal do partido Progressistas, parte do Centrão.
Isso pode mudar, ele admite, se o presidente perder o apoio dos eleitores, a terceira e mais importante influência no futuro de Bolsonaro. Antes de Dilma Rousseff sofrer um impeachment em 2016, seu índice de aprovação caiu para 8% e ela enfrentou enormes protestos. Bolsonaro continua fortemente apoiado por um terço dos eleitores. Segundo a pesquisa do Datafolha, 46% dos brasileiros querem que ele renuncie, um aumento de nove pontos percentuais em um mês. Mas metade pensa que ele deveria ficar.Leia também: Salles anistia desmatadores da Mata Atlântica
“As pessoas estão começando a dizer: ‘eu estava errado’”, diz Renan Santos, líder do Movimento Brasil Livre, de direita, que organizou protestos contra Dilma Rousseff e inicialmente apoiou Bolsonaro, mas agora pede seu impeachment. Pela primeira vez desde 2017, Bolsonaro perdeu fãs no Facebook.
Qualquer que seja o veredicto popular, a Presidência de Bolsonaro perdeu muito de seu objetivo quando Moro renunciou. Sua outra justificativa principal, o programa de reformas liderado pelo ministro da economia liberal, Paulo Guedes, está ameaçado pela recessão. Ele quer cortar gastos, simplificar impostos e privatizar empresas estatais. Agora o governo deve se destacar. Ele prometeu a dezenas de milhões de brasileiros um pagamento mensal de 600 reais (US$ 110). Isso custará R$ 118 bilhões este ano, cerca de 1,6% do PIB. Em 22 de abril, o governo anunciou um “plano de recuperação“ para empregar 1 milhão de pessoas por meio de projetos de infraestrutura definidos. Guedes não foi consultado. Havia rumores de que ele seguiria o Sr. Moro pela porta de saída.
A confiança dos mercados financeiros no Brasil depende da permanência de Guedes. Sabendo disso, Bolsonaro desfilou com ele diante de jornalistas em 27 de abril e recuou do plano de obras públicas. Por enquanto. Mesmo assim, “as reformas não vão acontecer“, diz Eduardo Cury, deputado federal do Partido da Social Democracia Brasileira, de centro-direita. “Guedes terá que abaixar a cabeça ou voltar para casa“.
Sua marginalização deixa o governo nas mãos de ideólogos e generais. Os ideólogos reforçam as preferências mais fortes de Bolsonaro, por exemplo, para afrouxar o controle de armas. Os militares, que ocupam sete dos 22 cargos do gabinete (incluindo todos os quatro com escritórios no palácio presidencial), às vezes conseguem detê-lo. E moderaram sua hostilidade em relação à China, o maior parceiro comercial do Brasil. “Eles acreditam que são capazes de fazer algo importante para o governo em um momento muito caótico“, diz um general aposentado. Mas eles estão em sintonia com Bolsonaro no desenvolvimento da Amazônia e favorecem o aumento do papel econômico do Estado.Leia também: Geopolítica da pandemia: “A verdade é que hoje o Brasil é um pária internacional”, diz especialista
Alguns oficiais podem ter dúvidas sobre o apoio a sua presidência imprudente, diz um estudioso que conhece o exército brasileiro. Mas seu senso de dever os manterá leais. O impeachment não diminuiria seu papel. Hamilton Mourão, vice-presidente, foi general da ativa até 2018. Se o presidente de espírito militar for removido, ele deixará um legado marcial. ■
Este artigo apareceu na seção das Américas da edição impressa, sob o título “Um divórcio perigoso”
REPORTAGEM PUBLICADA PELA REVISTA ” THE ECONOMIST” (REINO UNIDO )