Há tempos essas informações estavam disponíveis. Foram deixadas de lado por uma leniência irresponsável em relação a Bolsonaro, dando gás à família enquanto aguardavam o desmonte final da Constituição de 88
Peça 1 – os levantamentos sobre as rachadinhas
De um thread da repórter Juliana Dal Piva, de O Globo
Juliana Dal Piva✔@julianadalpiva
Na vida de repórter, a gente acompanha diferentes assuntos. Há algum tempo, não me dedicava tanto a uma cobertura, mas o desenrolar das coisas me levou a me dedicar muito ao chamado “caso Queiroz”. Então segue o fio da retrospectiva 2019 com as matérias mais importantes.62522:04 – 29 de dez de 2019Informações e privacidade no Twitter Ads186 pessoas estão falando sobre isso
- Em meados de janeiro de 2019 a família pediu a suspensão das investigações sobre as rachadinhas, alegando que o MPE não era o foro adequado.
- Dias depois, o Jornal Nacional revelou os 48 depósitos de R$ 2 mil na conta de Flávio. Ele alegou a venda de apartamento, mas não convenceu.
- Em março, relatório do COAF mostrou que a filha de Queiroz, empregada do gabinete, repassava 80% do salário ao pai.
- Em maio, descobriu-se que Fabricio Queiroz tinha sido alvo de um processo por extorsão.
- Outra reportagem constatou que as devoluções de salários chegavam a 90%.
- Em junho, reportagem mostrando que o gabinete de Carlos Bolsonaro também praticava as rachadinhas.
- Em agosto reportagem detalhada mostrando que 102 pessoas participavam do esquema das rachadinhas. Desde 1991 o esuqme amovimentou mais de R$ 65,2 milhões
- Em setembro, descobrem as ligações do gabinete com Daniela Nóbrega, esposa de Adriano Nóbrega, do Escritório do Crime.
- Em outubro, áudio em que Queiroz contava de sua influência nas nomeações.
Peça 2 – as investigações do MPE Rio de Janeiro
Reportagem do The Intercept mostram que as investigações do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro concluíram que o dinheiro das rachadinhas era aplicado em especulação imobiliária na Zona Oeste.
Segundo a reportagem,
“Os investigadores dizem que chegaram à conclusão com o cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia. Os dados mostrariam que o hoje senador receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, através de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega – executado em fevereiro – e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz”.
O esquema funcionava assim, segundo o MPE=RF:
- Flávio pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj.
- A partir daí, Queiroz – apontado no inquérito como articulador do esquema de rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada em assassinatos por encomenda.
- A organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.
- As duas favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas, ficam em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregularesnos últimos anos. Em abril do ano passado, dois desses prédios ligados a outras milícias desabaram, deixando 24 mortos e dez feridos.
- O lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido, também, com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público.
Peça 3 – a suspeita que se perdeu no ar
No dia 14 de dezembro de 2018, o repórter Marcelo Godoy, do Estadão, entrevistou o Secretário de Segurança da intervenção no Rio de Janeiro, general Richard Nunes.Leia também: “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?”, ironiza sobre assassinato de Marielle
A conclusão do general é taxativa:
“A vereadora Marielle Franco (PSOL) foi morta porque milicianos acreditaram que ela podia atrapalhar os negócios ligados à grilagem de terras na zona oeste do Rio”.
A entrevista mostra que, desde 2018, já havia um caminho claro para desvendar o assassinato.
General, o caso Marielle foi uma afronta à intervenção?
Não foi. O que entendo hoje é que os criminosos superestimaram o papel que a vereadora poderia desempenhar. Era um crime que já estava sendo planejado desde o final de 2017, antes da intervenção. Isso aí nós temos já; está claro na investigação. O que aconteceu foi o contrário. Os criminosos se deram conta da dimensão que tomou o crime por ter sido cometido na intervenção. Não podemos entender como afronta porque eu assumi em 27 de fevereiro. E dei posse a
Ela estava lidando em determinada área do Rio controlada por milicianos, onde interesses econômicos de toda ordem são colocados em jogo. No momento em que determinada liderança política, membro do legislativo, começa a questionar as relações que se estabelecem naquela comunidade, afeta os interesses daqueles grupos criminosos. É nesse ponto que a gente precisa chegar, provar essa tese, que está muito sólida. O que leva ao assassinato da vereadora e do motorista é essa percepção de que ela colocaria em risco naquelas áreas os interesses desses grupos criminosos.
Como ela colocaria em risco?
A milícia atua muito em cima da posse de terra e assim faz a exploração de todos os recursos. E há no Rio, na área oeste, na baixada de Jacarepaguá problemas graves de loteamento, de ocupação de terras. Essas áreas são complicadas.
A atuação dela seria de fazer…
Uma conscientização daquelas pessoas sobre a posse da terra. Isso causou instabilidade e é por aí que nós estamos caminhando. Mais do que isso eu não posso dizer.
O sr. ou a intervenção receberam pressões por esse crime?
Zero. O que há é muita especulação. Houve um movimento para tentar federalizar esse investigação totalmente desprovido de fundamento. Então foi um incômodo que não auxiliou em nada a investigação. Houve essa sugestão sob a suspeita de que a Polícia Civil não estaria fazendo um trabalho isento. Isso não tem fundamento. Temos de ter muito cuidado em não dar voz a criminosos que se encontram preso e colocam em xeque o processo de investigação (ele se refere á acusação feita pelo miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, um dos suspeitos de participar do crime). É um absurdo em uma nação democrática colocar em xeque uma investigação a partir do depoimento de um preso.
Peça 4 – as conclusões
Tem-se aí todas as peças do jogo:
- As informações de que o dinheiro da rachadinha era administrado por Queiroz
- O inquérito do MPE-RJ mostrando que o dinheiro era aplicada na construção de imóveis irregulares na Zona Oeste, e administrado por Adriano Nóbrega, o miliciano morto na Bahia.
- A informação do general Richard Nunes, Secretário de Segurança do Rio no período da intervenção, de que o assassinato de Marielle se deveu a problemas que causava na especulação imobiliária da Zona Oeste.
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As demais peças do jogo já estão disponíveis há tempos.
- A chegada dos assassinos de Marielle no condomínio de Bolsonaro, no dia do assassinato.
O porteiro do condomínio assegurou que eles pediram para falar na casa de Bolsonaro. O Jornal Nacional engoliu a explicação de que, por estar em Brasília, Bolsonaro não poderia ter recebido a ligação.
Mostramos aqui que o sistema de telefonia não era por interfone, mas um sistema que permitia transferir as chamadas para telefones fixos ou celulares de condôminos.
- A presença de Carlos Bolsonaro no condomínio, no mesmo momento.
Sobre esses dois pontos, há informações detalhadas no “Xadrez de Bolsonaro, Marielle e como está sendo sua blindagem”, em 10.02.2020.
Há tempos essas informações estavam disponíveis. Foram deixadas de lado por uma leniência irresponsável em relação a Bolsonaro, dando gás à família enquanto aguardavam o desmonte final da Constituição de 88
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)