A PROVÁVEL FASE 2 DO GOVERNO BOLSONARO

O acirramento da tragédia do Covid-19 será um fator forte. Mas a  maneira de desmontar o “mito” será a revelação dos seus malfeitos pelo Judiciário, Ministério Público e Polícia.

Peça 1 – a contagem regressiva para o caos

Ainda não se chegou ao ponto de ebulição da crise do coronavírus. O segundo semestre será escaldante. De um lado, não há sinais de arrefecimento da pandemia, nem de que o achatamento da curva permitirá aos estados se preparar para o terror. De outro, a crise econômica, diretamente ligada ao tempo necessário para domar a peste e à profunda incompetência demonstrada pelo governo na implementação de medidas econômicas.

Todos os movimentos de Bolsonaro, por mais estabanados que sejam, têm como foco esse enfrentamento da crise que se avizinha.

Peça 2 – a estratégia montada

A estratégia de Bolsonaro tem três pernas:

  1. O combate retórico ao coronavirus, abraçando a bandeira da flexibilização para se livrar da responsabilização pelo desastre.
  2. As medidas de recuperação da economia.
  3. A blindagem do governo.

Todos esses movimentos visam meramente ganhar tempo, enquanto Bolsonaro tenta avançar no objetivo final da estratégia: estender seu poder sobre o Congresso – no final do mandato de Rodrigo Maia -, sobre o Supremo – na indicação dos novos Ministros – e na Polícia Federal, enquanto faz acenos cada vez mais evidentes do poder militar, que já ocupa espaços enormes no seu governo.

Combate ao coronavirus

Até agora o novo Ministro da Saúde Nelson Teich não disse a que veio. Suas entrevistas mostram dois ângulos: desconhecimento ainda do terreno a ser pisado, mas compromisso com orientações científicas.

Indagado hoje se seria a favor do isolamento ou da flexibilização, respondeu o óbvio: tem o momento do isolamento e o momento da flexibilização. O papel do Ministério será definir o momento de um e outro. E foi enfático ao afirmar que não é o momento da flexibilização. Mesmo assim, as afirmações foram tratadas pela mídia como posição dúbia.

É uma armadilha retórica relevante. De um lado não pode ser tão explícito a ponto de despertar os monstros internos de Bolsonaro. De outro, luta contra a desconfiança que gerou, ao assumir o lugar de um Ministro que resistia ao terraplanismo de Bolsonaro.

Além disso, a indicação do general Eduardo Pazuello para a Secretaria Executiva da Saúde poderia resolver um problema, o das dificuldades com a logística da distribuição de insumos para os estados. Mas, aparentemente, vai ser uma intervenção mais ampla, correndo o risco de romper o precário equilíbrio com a máquina pública do Ministério e do SUS (Sistema Único de Saúde).Leia também:  Receita Federal vai processar Flávio Dino por compra de respiradores

De qualquer modo, não há nenhum sinal à vista de um trabalho mais eficiente que coloque a rede de atendimento correndo à frente da pandemia. E, menos ainda, estudos convincentes sobre o próprio Covid-19.

Plano Pró-Brasil

Não é nada. Apenas um Power Point sem uma informação relevante, nenhum conceito agregador. Principalmente, sem definir as fontes de financiamento.

O fato de Paulo Guedes não ter participado da apresentação do programa se explica. Guedes conseguiu empurrar com a barriga seu governo, sempre acenando com um cenário positivo mais à frente. Com a crise, demonstrou à larga sua incapacidade de resolver problemas.

Mesmo assim, Guedes sai de cena, mas o governo continua preso à ideia da Lei do Teto. Há uma enorme discussão mundial sobre a necessidade da emissão de moeda para enfrentar a crise, partindo da constatação de que, em períodos de grande recessão, a única contraindicação das emissões – o efeito inflacionário – não se manifesta.

Mas nem mídia, menos ainda o governo, deram-se conta dessa revisão do pensamento econômico global. Continuam presos ao paradigma da dona de casa, da Lei do Teto. Por aí não haverá a menor possibilidade de qualquer plano de desenvolvimento ser bem-sucedido.

Blindagem do governo

Bolsonaro aproxima-se do centrão e comete o impensável: oferecer cargos relevantes a Valdemar da Costa Neto e Roberto Jefferson, dois dos mais suspeitos e menos sutis políticos do centrão. Ao mesmo tempo, tenta recorrer ao poder militar – que já ocupa mais de mil cargos no governo – acenando com a teoria conspiratória conduzida por Rodrigo Maia, presidente da Câmara.

A ofensiva final contra Bolsonaro não será conduzida pela Câmara.

Ao contrário do que imaginava, o controle da operação não está nas mãos da Polícia Federal. Ela se limita a cumprir ordens do STF para capturar provas, que são entregues ao STF sem serem tocadas. A arma fatal está nas mãos de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), com o inquérito sobre os fakes news, ao qual foi acrescentado o inquérito das manifestações a favor do AI5.

Por isso mesmo, a intenção de tirar Maurício Valeixo do comando da PF não se prende especificamente a essa operação.

Os rompantes de Bolsonaro

Os movimentos destinados a tirar ou reduzir a imagem de Sérgio Moro e Paulo Guedes deve-se à sensação de Bolsonaro, que não depende mais deles como avalistas do governo. Moro, pela sua inexpressividade e falta de adesão às teses mais rocambolescas de Bolsonaro. Guedes por não ter entregue em nenhum momento o que prometeu: o crescimento.

Mesmo assim, a maneira destrambelhada com que atua vai reduzindo dia a dia o arco de alianças virtuais e reais que amealhou.Leia também:  Programa Pró-Brasil coloca agenda de Guedes em xeque

Já se afastou dos seguidores da Lava Jato. Se indispõe agora com o agronegócio, com os ataques gratuitas à China.

O que o deixa cada vez mais dependente da âncora do poder militar.

Peça 3 – a distribuição do poder político

Nos próximos meses, o jogo político ficará assim:

Bolsonaro – cada vez mais isolado e dependente do último avalista, o poder militar. Não se desconsidere a possibilidade das milícias virtuais terem desdobramentos no mundo real, com grupos armados tornando-se mais atrevidos. O irracionalismo bolsonariano pode levar a isso.

Sérgio Moro e a Lava Jato – sobrevive apenas graças ao apoio da Rede Globo. A tentativa de retirar Maurício Aleixo do comando da Polícia Federal provocou dois movimentos simultâneos na corporação: não houve condenação à mudança; houve alerta para o novo delegado geral não ser atrelado ao Palácio. Nenhuma associação pronunciou-se a favor de Sérgio Moro ou de Aleixo. De um notável delegado federal ouvi que “a Lava Jato acabou” e era hora de uma renovação, já que Aleixo representa o continuísmo que vem desde Leandro Daiello, o delegado-geral do auge da Lava Jato. Curitiba já não tem fogos de artifício. E o eixo da Lava Jato – Sergio Moro -> TRF4 -> Felix Fischer (do STJ) e Luiz Edson Fachin (STF) – só serve para requentar antigas denúncias e processos contra Lula. Na PF, restam Aleixo e os delegados Igor Romário de Paula e Márcio Anselmo, com diretorias, mas sem nenhuma influência na corporação.

Supremo Tribunal Federal – inicialmente, armou-se contra a Lava Jato quando o presidente Dias Toffoli abriu um inquérito para investigar os diálogos da Vazajato e colocou nas mãos do Ministro Alexandre de Moraes. Valeram-se de uma possibilidade prevista na Constituição, do STF abrir inquérito quando houvesse evidências de que estaria sendo atacado por dentro do sistema. Moraes trouxe delegados da Polícia Civil de São Paulo para ajudá-lo. Hoje em dia, está em suas mãos um inquérito que baterá inevitavelmente em Carlos Bolsonaro.Leia também:  A lista de ódio da extrema-direita nos EUA: liberais, governo, mídia – e a quarentena

Procuradoria Geral da República – No início, o PGR Augusto Aras submeteu-se escandalosamente a Bolsonaro. Com a posição de Bolsonaro frente ao Covid-19, e, principalmente, apoiando manifestações em favor do AI-5 o cristal trincou. Houve pressão da corporação que acabou levando-o a encaminhar ao Supremo a denúncia contra as manifestações pró-ditadura – apoiadas por Bolsonaro. Com isso, houve um liberou geral que, em breve, deverá estimular procuradores na ponta a investigar os mil desdobramentos virtuais do bolsonarismo, assim como fortalecer o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro a avançar nas investigações sobre as relações dos Bolsonaro com as milícias.

Os últimos episódios demonstraram que três corporações relevantes montaram trincheiras contra a interferência de Bolsonaro: Justiça, Ministério Público Federal e Polícia Federal,

Câmara – não tem elementos para um impeachment, nem para um golpe parlamentar pró-Bolsonaro. Depende dos ventos que virão do Supremo. Se sentirem Bolsonaro fraco, seus apoiadores pulam do barco. Se sentir fortalecido, serão mais atrevidos.

Militares – Hoje em dia, há mais de mil militares em cargos no governo. Não abriram mão facilmente dos nacos de poder conquistados. Cada vez mais serão a parte mais resistente a manobras para tirar Bolsonaro.

Peça 4 – como se dará o jogo

Qualquer tentativa da oposição de comandar uma campanha do impeachment poderá servir de álibi para Bolsonaro arregimentar o fator militar. Portanto, o caminho para a queda de Bolsonaro não passa pelo Congresso. Este será apenas o avalista final.

O acirramento da tragédia do Covid-19 será um fator forte. Mas a  maneira de desmontar o “mito” será a revelação dos seus malfeitos pelo Judiciário, Ministério Público e Polícia.

Há as investigações do STF sobre os fake news, as investigações do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro sobre os vínculos da família com as milícias, um sem-número de operações suspeitas do Ministério do Meio Ambiente, as aventuras empresariais da família, através do seu representante comercial Flávio Bolsonaro.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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