A autora aborda a aprovação da lei da quarentena (13.979/2020), aprovada às pressas pelo Congresso Nacional e em vigor desde 6 de fevereiro. “O que espanta é que o presidente não teria lido todos os itens daquilo que assinou como Chefe de Governo e de Estado no Brasil”
Acabo de ler um texto claríssimo, intitulado “Brasil à beira do precipício? Uma tragédia a ser evitada”, de autoria de Mário Cezar Silva Serpa, economista e sócio da Planner Redwood Asset Management, sobre o (segundo ele) falso dilema entre saúde e economia no combate à covid-19. Depois de apresentar as ressalvas de praxe contra o pandemônio institucional brasileiro atual, o autor maneja com muito garbo curvas matemáticas e termos em inglês para demonstrar que é possível impedir que o país entre em depressão econômica, sacrificando apenas o mínimo de pessoas que o sistema de saúde não tenha capacidade de acolher e assim evitar o horizonte assustador de uma convulsão social.Publicidade
Esta viria a ocorrer no caso de não se tomarem precauções para o fim do isolamento social através de uma “abertura lenta, gradual e segura”: o sonho que Bozo não consegue expressar com clareza, mas sabe verbalizar por conta de seus seguidores nas redes sociais. Afinal, o Mito não é lá essas coisas em matéria de instrução e de expressão.
Vamos à cena da posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Este também não consegue (ou não teria claramente desenvolvidas as ideias), para combinar, ou não, as duas coisas: economia e saúde, de modo que o diálogo entre ele e o presidente na live do mesmo dia parece conversa de quem não quer dizer ou não sabe ouvir.
Seria isso? Enigmático como uma esfinge. Estaria ele apenas revelando inaptidão para a clareza? Ou representaria, neste momento crucial um papel adrede preparado?
O jeito tem sido exibir o magnífico curriculum vitae de Teich: renomado oncologista, tímido, porém pós-graduado em Economia da Saúde (que muitos confundem com Economia E Saúde). Ao que parece, há quem não consiga entender que um médico famoso possa ter aceitado o convite do presidente em hora tão azarada.
Pelo menos eu, que costumo ser muito ingênua. Aí pode ser mais esclarecedor outro texto que li, desta vez de Alex Bolonha Fiúza de Melo: “A corda esticou”, veiculado por blog do próprio.
Quem viver, verá.
Minha pergunta, todavia, continua sendo: QUANDO, afinal, as autoridades brasileiras tomaram conhecimento da pandemia e da possibilidade de que esta chegasse ao Brasil?
Reporto-me a texto que publiquei neste mesmo site, Os Divergentes, no qual eu indagava sobre a lei 13.979, de 6 de fevereiro do corrente ano, assinada por Bolsonaro, Mandetta e Moro contendo uma série de dispositivos, que estatuem, rigorosamente, as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), dentre as quais a atribuição de competência aos estados e municípios como instâncias definidoras das providências a serem adotadas para preservar a integridade da vida de cada um bem ali aonde cada um vive.
Isto para não mencionar o que começa a ocorrer em muitos municípios nos quais o poder público local anda a requisitar leitos e profissionais de saúde para atuar no combate ao vírus, ainda que tais recursos sejam de propriedade privada (Sistema Complementar de Saúde, nos termos do §1º do art. 199 da Constituição Federal, de 1988). Ou o fechamento de aeroportos, portos e rodovias… Tudo isso Bolsonaro, que sancionou a lei, agora rejeita.
Por que insisto no tema?
Quem viu a pergunta da repórter Bianca Rothier, da Globonews, ao diretor-geral da OMS sobre a recente troca de comando no Ministério da Saúde do Brasil, deve ter percebido que o diretor-executivo em resposta frisou que a OMS continuará a prestar todo o auxílio a nosso país, através da OPAS, como vem fazendo desde JANEIRO deste ano de 2020. Ora, as ações contra a covid-19 no Brasil começaram oficialmente com a retirada de brasileiros de Wuhan, no dia 7 de fevereiro de 2020.
Teria Bolsonaro sancionado a lei 13.979, de 6 de fevereiro, às pressas, somente para permitir a vinda dos brasileiros da China? O que espanta é que o presidente não teria lido todos os itens daquilo que assinou como Chefe de Governo e de Estado no Brasil.
Afinal, no discurso de posse do novo ministro, Bozo lamentou nada poder fazer porque caberia aos municípios e estados tomar as cautelas necessárias ao combate do novo vírus, com base na lei citada, ademais de ser amplamente noticiado, no mesmo dia, que o Planalto resolveu pedir ao STF (Supremo Tribunal Federal) a revogação ou mitigação do que essa Corte decidira no mesmo dia do adeus de Mandetta.
Consulte-se a tramitação às pressas do projeto de lei 23/2020 na Câmara e no Senado, nos dias 4 e 5 de fevereiro deste ano, e o calendário de providências do Governo Federal, publicado em 9/03/2020 e atualizado em 16/03/20 (www.gov.br), e a data mais os votos proferidos no julgamento no Supremo.
Depois dessa falta de memória do chefe do executivo e comandante em chefe das Forças Armadas do Brasil, e de todo o quiproquó envolvendo Deus e o Mundo (inclusive o silencioso ou silenciado ministro da Justiça, Sergio Moro), como ter sossego para fazer com cuidado o isolamento ou distanciamento social? E se entrarmos na fase de quarentena sem saber quantos poderão morrer por falta de preparo adequado e prévio em matéria de saúde, motivado pelas autoridades máximas do país?
Teria o Brasil tentado agir – como hoje o governo acusa a China, às escuras?! Seria a China aqui? Duvido.
Mais uma vez, só quem viver, verá!
SANDRA STARLING ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)
* Sandra Starling é advogada e Mestre em Ciência Política pelo DCP da FAFICH (UFMG), com a dissertação “Governo Geisel: as Salvaguardas Visíveis e Invisíveis do Projeto de Distensão (1974-1979)”