“O presidente da República, embora possa muito, não pode tudo”
Ministro Celso de Mello
Não posso esconder as lágrimas que correm livremente enquanto assisto à live “One World: Together At Home”. E olhe que nem conheço esses cantores. O que me comove é a solidariedade. O mundo inteiro demonstra respeito, gratidão e até amor a todos os que se entregam, com risco pessoal e com o sacrifício de não ver ou encontrar as pessoas queridas, em nome do enfrentamento a este vírus maldito, a esta tragédia.
Os países se dão as mãos sem credo ou ideologia. Todo final da tarde, no mundo inteiro, as pessoas vão para as varandas aplaudir, bater panela e cantar em homenagem aos trabalhadores da saúde, da segurança hospitalar e de todos os que se dedicam e se expõem ao enfrentamento da pandemia.
Não sou dos que acreditam que o mundo sairá melhor desta. O homem é naturalmente ruim, mal; mas é um fato que, neste momento, as pessoas estão mais dispostas a serem menos piores, com mais sentimento humanista. É muito tocante ver a música, pelos mais diversos sons e atores, os mais inimagináveis, falar um único som: o som da solidariedade.
O mundo, de alguma forma, querendo dar chance à vida. Mas, infelizmente, temos que registrar: qual é a nota fora do concerto mundial? O que desafina? Meu Deus, aqui, no Brasil, nós não temos tido tempo de sermos só solidários, de só sofrermos pela dor —certamente hoje já próxima de todos e de cada um, pela morte ou doença de alguém querido. Não podemos sequer acompanhar o movimento mundial de tentar sair desse buraco, desse drama. Nós temos que acompanhar diariamente, em tempo real, um psicopata inimputável, que já havia esvaziado a ciência em tempos normais, aprofundar o grau de ignorância em tempos de guerra.
Nós, brasileiros, não conseguimos falar a língua universal da fraternidade. Este governo fascista e assassino nos distrai. Nós não conseguimos ter solidariedade com nossos irmãos, nem no medo nem na angústia. Em todo o mundo, os partidos e os políticos baixaram as armas. Há um inimigo comum. Vejam Portugal, onde um partido da oposição cumprimenta o governo por ter trabalhado bem. Sem uso da política. Com lealdade à gravidade do momento.
Aqui perdemos a maior parte do tempo discutindo os absurdos do presidente. Isso não é correto. Esse pústula nos não deixa sequer sermos humanos, não nos deixa chorar de desespero pelos mortos. Não nos deixa ser simples. Esse inimputável politizou o vírus. Ele, que despreza a inteligência, a pesquisa, o estudo, que é um cultor da morte, da tortura, das trevas, não permite sequer que o país sofra o drama que se abateu sobre a humanidade. Ele é tão mesquinho que politizou o uso ou o não de tal ou qual remédio.
É claramente um homem sem nenhum compromisso com qualquer enfrentamento humanitário. E o pior é que ele faz tudo de maneira deliberada. Este é o jogo político dele. Este é o campo político desse inimputável.
Jair Bolsonaro continua com um bom percentual de apoio. Pessoas que vão às ruas para dizer que não existe o vírus, não existe a doença. Meu Deus. Este é o rebanho dele. A posição de enfrentamento é clara e pensada. Por isso, todos nós, que temos ainda lucidez e capacidade de análise, devemos tomar uma decisão. É preciso tirá-lo da Presidência da República.
Por um tempo, defendi que não era possível pensar em outro impeachment. Nenhum país suporta três impeachments em período tão curto. O impedimento não é a maneira constitucional de tirar da Presidência um incompetente. Mas, no caso, não estamos tratando de incompetência tão somente. Reconheço que subestimei o grau de idiotice, de perversidade, de bandidagem desse miliciano que ocupa a Presidência.
Não se trata mais de falar só em incompetência. Se não existirem condições políticas para o impeachment, e penso que há, cabe a nós, operadores do direito, darmos uma solução constitucional para o caso. Mas temos que enfrentar essa dura e cruel realidade, não podemos permitir que esse inimputável siga à frente do governo. A história nos cobrará pela omissão. Proponho que avaliemos uma denúncia, fácil de fundamentar, com os inúmeros crimes de responsabilidade do presidente, a ser apresentada junto a Corte Suprema.
Nenhum presidente, nem ninguém, tem o poder de propor reiteradamente políticas genocidas. E defender essa política desdenhando de um povo. Ele ofende a todos, inclusive os que o apoiam. Tornar inimputável e afastar um presidente eleito legitimamente por 57 milhões de brasileiros, com uma interpretação constitucional e com uma visão dos tratados internacionais, não é tarefa fácil. Mas nós, operadores do direito, que militamos no dia a dia no Supremo e que conhecemos sua jurisprudência, já vimos “milagres” serem feitos, quando a Corte quer, em nome de uma interpretação da Constituição.
A história e o momento exigem coragem. Senão, para que vale o direito, para que vale a evolução internacional da consciência humanista? Uma denúncia que propicie a oitiva não só do Ministério Público Federal (que, talvez, mais uma vez falte à nação), mas que ouça o Congresso Nacional, nossa Casa Soberana.
Se o Congresso e o Supremo entenderem que não podemos continuar caminhando docilmente para a morte, para a catástrofe, nós teremos como afastar este homem que faz da morte o seu legado. Para os que questionarem, de maneira óbvia, sem olhar o mar revolto onde estamos, a falta de jurisprudência ou algo assim, eu responderei com Clarisse Lispector: “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever”. Com a palavra, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO ” BLOG 247″ ( BRASIL)
Advogado criminalista