Não se trata de um presidente normal, como eram os impichados Fernando Collor e Dilma Rousseff, ou aos quase impichados Fernando Henrique Cardoso e Lula, ou a José Sarney e Itamar Franco. É um presidente cercado de suspeitas, que coloca em risco a vida de milhões de pessoas. E por que as instituições não agem?
Nem se fale das suspeitas que cercam a família Bolsonaro em relação ao assassinato da ex-vereador Marielle Franco. Fixemo-nos na história do “furo da jornalista”, no fato de infectar populares na porta do Palácio, nas ofensas gratuitas a tudo e a todos, em quebras sucessivas de decoro . O que segura Bolsonaro?
Não se trata de um presidente normal, como eram os impichados Fernando Collor e Dilma Rousseff, ou aos quase impichados Fernando Henrique Cardoso e Lula, ou a José Sarney e Itamar Franco. É um presidente cercado de suspeitas, que coloca em risco a vida de milhões de pessoas.
E por que as instituições não agem?
Os poderes e o impeachment de Dilma
O que segura Bolsonaro é o fato do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal (MPF), Congresso e mídia terem banalizado o instituto do impeachment no caso Dilma Rousseff. A partidarização da questão, as manobras do STF nas votações, o papel da PGR (Procuradoria Geral da República) e da Lava Jato, casando operações com eventos políticos, foi algo tão baixo, tão desprezível – no plano constitucional e político – que tornou extremamente alto o preço da repetição do impeachment, mesmo em caso de necessidade premente, como é o de Bolsonaro, ameaçando a saúde de toda a Nação.
E havia toda uma motivação ideológica, todo o grupo ferozmente fechado na defesa da Ponte para o Futuro e da quebra de direitos e das redes de proteção social.
Antes de Bolsonaro, no caso de Michel Temer havia motivos muito mais sólidos para o impeachment, indícios nítidos de crimes cometidos. Tem uma conversa com o subornador Joesley Baptista, indica um intermediário. No dia seguinte o intermediário é filmado saindo do encontro com R$ 5 milhões em uma valise. E hoje Temer goza de uma justa aposentadoria, interrompida de vez em quando para confraternizações com Bolsonaro. A interpretação oficial foi a de que os diálogos entre ambos não eram conclusivos. Gilmar Mendes, que, antes, chegou a sugerir a cassação do PT, desta vez teve bom senso para aconselhar que impeachment não pode ser confundido com ação de despejo.Leia também: Pastor dos EUA quer contatar tribos da Amazônia em meio à pandemia
Não há paralelo na história do país do comportamento do STF e do MPF estuprando a Constituição. Em outros tempos, ministros e procuradores se curvavam ao poder de persuasão das armas. No impeachment de Dilma, foram eles próprios agentes políticos estimulados pelos holofotes da mídia. A imagem do decano Celso de Mello confraternizando com populares em um shopping, logo ele, foi o sinal mais nítido da deterioração do Supremo e de abertura de espaço para agentes oportunistas, Ministros que resolveram cavalgar a onda antipetista.
E agora? O preço da auto desmoralização, no episódio do impeachment, foi o do enfraquecimento do Supremo como defensor da Constituição e como freio aos abusos de Bolsonaro.
O papel de Luis Roberto Barroso
Nenhum Ministro foi mais deletério para a democracia, e mais essencial para o fenômeno Bolsonaro, do que Luis Roberto Barroso.
Desde o começo agiu ideologicamente, instrumentalizando o punitivismo da Lava Jato para seus propósitos. Tomou como guru econômico Flávio Rocha, do grupo Riachuelo, brilhante como a luz do abajour lilás. Manipulou estatísticas de desemprego, estatísticas prisionais, vendendo a ideia de que os juízes, atuando punitivamente e abrindo espaço para o desmonte das políticas sociais, trariam o novo iluminismo para o país. Com esse discurso, foi o principal responsável pela legitimação da partidarização da justiça, em defesa de um liberalismo capenga e primário, do qual ele foi arauto com suas palestras rasas como uma piscina infantil, mas que sensibilizavam um público intelectualmente tão raso quanto sua sociologia de orelha de livro.
Nesse período, o “iluminismo” veio na forma de cortes nas verbas do SUS (Sistema Único de Saúde), das verbas para as Universidades e para pesquisa, na redução do Bolsa Família, nos ataques aos Benefícios de Prestação Continuada (BCP), que garantiam os mais vulneráveis dentre os vulneráveis, na interrupção do programa de fabricação de medicamentos e produtos de saúde, na demolição da indústria naval, da venda picada de subsidiárias essenciais da Petrobras e de qualquer ação de Estado. Aliás, grande parte do desmonte da saúde foi conduzido pelo atual Ministro Luiz Henrique Mandetta, acabando com o +Médicos, reduzindo os repasses para o SUS.
Está na hora de se analisar melhor as relações de causalidade, para não se supor que o discurso do novo “iluminismo” fosse apenas uma manifestação ridícula de um Ministro desinformado sobre história, economia e sociologia.Leia também: Reuters fala em crise institucional na cúpula do governo
O Brasil tornou-se mais vulnerável nas redes de proteção social, na autossuficiência de produtos de saúde, na informalidade do trabalho, na expansão incontrolável dos autônomos uberizados. Em suma, em todos os fatores que, agora, expõem a vulnerabilidade do país ante o coronavirus.
As instituições se calam
E agora? O Supremo se manifesta através das manifestações solitárias de um Ricardo Lewandowski, um Gilmar Mendes, um Marco Aurélio de Mello. Barroso, o bravo profeta das unanimidades, dia desses, teve a inédita coragem de se manifestar a favor da quarentena, “em defesa dos vulneráveis”, depois que percebeu em seu círculo a unanimidade em favor da tese. Mas foi incapaz de qualquer manifestação contra o genocídio que se está cometendo contra as populações carcerárias, contra as ações insuficientes do governo para defender as populações de baixa renda, contra a redução de investimentos em tecnologia.
Essa incapacidade de contrariar as unanimidades é a pior marca de um Ministro de um poder que deveria ser fundamentalmente contra majoritário. E foi o maior pecado de um Supremo pusilânime. Mas não apenas ele.
O corajosíssimo MPF, capaz de abrir inquéritos sem ser provocado, baseado em reportagens sem nenhum fundamento, capaz de ordenar a detenção de 36 funcionários do BNDES, de cometer os mais variados abusos, queda em transe. Autocrítica em relação aos abusos da etapa anterior, ou simplesmente receio? Frente a um adversário incapaz de se defender, em cima do álibi do “republicanismo”, o MPF praticava um atrevimento sem risco, desfilando na passarela da mídia com suas denúncias, inquéritos, prisões, operações a torto e a direito. E agora? Vez por outra aparece um procurador com um pouco mais de iniciativa, em uma ou outra medida menor.
Mas o padrão é o bravo vice-procurador-geral eleitoral Renato Brill de Goés, que pretende acabar, com uma canetada, com um partido que teve 47 milhões de votos. Não se trata nem mais de cassar políticos envolvidos em operações suspeitas, mas o partido inteiro. Fala sério!Leia também: Roberto Justus adere à quarentena e diz que há um lado bom na crise
Esta semana, o MPE de São Paulo denunciou o PSDB por corrupção eleitoral em um período longo, que vai de José Serra e Geraldo Alckmin. Por sua vez, a justiça norte americana mencionou uma emissora brasileira que teria se envolvido em subornos para adquirir direitos de transmissão da Copa Brasil. A Copa foi transmitida pela Globo.
Alguém imaginaria o bravo Brill de Góes pedindo a cassação do PSDB, ou da concessão da Globo, caso o assunto estivesse sob sua análise? É evidente que não. O que faz agora visa atender às expectativas de suas chefias, sabendo que são atos sem riscos de curto prazo.
O fato é que Bolsonaro, o tosco, o selvagem, o anti-civilização, o anti-ciência, foi eleito com a contribuição fundamental das instituições. Poderiam alegar que tratou-se de um acidente de percurso. Mas quem busca o percurso da quebra da legalidade, está sujeito a encontrar um lobo do mato na próxima picada.
Há uma penosa reconstrução pela frente que passa não apenas pelo fim do bolsonarismo, mas da comorbidade das instituições.
A única sorte, até agora, é que a pessoa incumbida da intervenção racional no governo é um general da reserva, não da ativa. Pelo menos isso.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)