SARGENTO ORLANDI RANDI
Estamos todos a tentar nos adaptar nos cinco continentes às transformações impostas, inesperadamente, pela pandemia do coronavírus. Mas não tem sido nada fácil.
Os meios de comunicação do mundo inteiro focam praticamente a totalidade do noticiário nos efeitos do covid-19 e na importância de permanecermos em quarentenas – que parecem intermináveis. Sobretudo é muito triste, para mim, desde o meu isolamento preventivo, no centralíssimo bairro paulistano de Higienópolis, testemunhar a tragédia na querida Itália – país que conheço profundamente e aprendi a amar ao longo de mais de uma década vivida lá, entre os anos 1970 e 1980, sendo correspondente de publicações brasileiras e portuguesas e, posteriormente, como caporedattore de Telemontecarlo.
Descobri, ao morar em Roma, o quanto o Brasil é admirado e idealizado pelos italianos. E como os antifascistas peninsulares exaltavam, àquela época, a relevância dos ‘pracinhas’ da FEB (Força Expedicionária Brasileira) na liberação do Bel Paese durante a Segunda Guerra. Principalmente, ao conquistarem, há 75 anos, a cidade toscana de Montese, no dia 14 de abril de 1945, o último reduto sob controle nazifascista na denominada Linha Gótica.
O triunfo abriria caminho, onze dias depois, para a rendição incondicional da Itália aos Aliados, com a queda da então inexpugnável Milão – que estava em poder dos gerarchi fascistas da Reppublica di Saló de Benito Mussolini (1883 – 1945). Surpreendente foi constatar que o feito brasileiro no solo italiano era mais reverenciado lá do que aqui, onde, ainda hoje, grande parte das elites nacionais torce o nariz para as glórias das tropas da FEB.
A vitória dos ‘pracinhas’ em Montese, aliás, é frequentemente ofuscada, no Brasil, pela conquista de Monte Castelo – ocorrida igualmente na Toscana, quase dois meses antes, em 22 de fevereiro. Façanhas amplamente destacadas, no entanto, na primorosa obra de um caríssimo amigo, o luso-ítalo-brasileiro, Durval de Noronha Goyos Jr, meu colega de diretoria à Casa de Portugal, em São Paulo.
Tive a prazer de ler o livro em língua italiana, “La Campagna della Forza di Spedizione Brasiliana per la Liberazione d’Italia” – cujo título na edição em português, de 2014, é “A Campanha da Força Expedicionária Brasileira pela Libertação da Itália”. Comovente também, para mim e minha esposa, Dona Andrea, foi a visita que fizemos no início de janeiro deste 2020 ao Museu da FEB de São João Del-Rei, instalado no centro histórico, na sede do 11º Batalhão de Infantaria de Montanha, diante do Córrego do Lenheiro. É um notável memorial numa das belíssimas localidades da antiga Estrada Real, marcada, de Diamantina a Paraty, pela esplêndida arquitetura barroca portuguesa.
Estão ali exibidos uniformes, armas e objetos usados pelos heróis da FEB nos campos de combate. Um deles é o são-joanense, de família italiana, o bravo Sargento Orlando Randi, do 11º Regimento de Infantaria, morto exatamente em Montese, na manhã do dia em que seus compatriotas arrebatariam dos alemães a cidade. Ele foi vítima de uma bala de fuzil disparada por um soldado germânico. Algumas das preciosidades expostas em São João Del-Rei foram doadas ao museu por seus parentes – dentre as quais, uma bem conservada bandeira com a suástica nazista, encontrada junto ao corpo do Sargento mineiro. Foto de Randi ilustra a coluna.
O Museu da FEB de São João Del-Rei merece ser visitado. Fica à Avenida Hermílio Alves, próximo à Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, que, por sua vez, está defronte ao venerável Memorial de Dom Lucas Moreira Neves, à mesma Rua Getúlio Vargas, quase vizinho ao Solar dos Neves, pertencente aos herdeiros do ex-Presidente da República Tancredo Neves (1910 – 1985). É preciso, porém, superar primeiro a nossa quarentena.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOGO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador