Haverá inevitavelmente o choque final, no qual os Bolsonaro tentarão envolver bases das Polícias Militares, os caminhoneiros ligados a ele (que não são maioria) e mais aliados. Quanto menos poder institucional, maior gritaria
Os sinais de que Jair Bolsonaro não mais governa estão nítidos. É um fato que muda totalmente o jogo político.
Peça 1 – o poder militar
No dia seguinte ao pronunciamento de Bolsonaro, conclamando o fim da quarentena, o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, falou para a tropa, recomendando a quarentena e enfatizando que respondia ao Ministro da Defesa e às autoridades da Saúde.
Ecos de Brasília, através de alguns jornalistas com fontes militares, mostraram a indignação dentro do Palácio, sustentando que não iriam participar de semelhante massacre.
Há muito chute no ar, de jornalistas que exercitam probabilidades como se fossem informações objetivas. De objetivo tem-se o descontentamento do Alto Comando com Bolsonaro.
Peça 2 – o grupo da saúde
A reação do Ministério da Saúde foi nítida. Antes de ontem, o grupo de técnicos que toca a guerra contra o coronavirus divulgou um manifesto reiterando a ordem para manter a quarentena.
Veja bem: o presidente da República decreta o fim da quarentena; e os técnicos da saúde reiteram a ordem de mantê-la. Não foi nem a título de recomendação. Foi ordem mesmo. Foi o sinal mais nítido do fim do comando de Bolsonaro sobre o governo.
Ontem, o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta fez longa apresentação pela Internet, onde reiterou todas as recomendações iniciais, de manter a quarentena para permitir o movimento das pessoas trabalhando em atividades essenciais.
Desqualificou as declarações sobre gripezinhas e mortes de poucos mil, mostrando o efeito sobre a rede do SUS e as consequências posteriores. Condenou as carreatas visando acabar com a quarentena.
Em suma, desdisse ponto por ponto as tolices do presidente da República. No final, em um jogo claro de “engana-o-bobo”, fez um ataque desnecessário à imprensa, mas necessário para manter o louco sob controle.Leia também: Brasileiros em Portugal entre o desemprego e o medo de serem despejados
Há informações fidedignas de que qualquer movimento de Bolsonaro, visando inibir os trabalhos de prevenção, será respondido com renúncia coletiva de toda a turma da saúde.
Peça 3 – o grupo da economia
A economia nunca foi a praia de Bolsonaro e, agora, menos ainda. É curioso que Paulo Guedes, sem dimensão pública, sem noção das estratégias necessárias de combate à depressão, tem compensado a falta de ousadia com discursos de solidariedade e de apoio aos mais fracos. É um mero recurso retórico, para compensar a falta de medidas mais substantivas. Mas é curioso que seja utilizado pelo tecnocrata, enquanto o presidente se limita a gracejos, tipo o brasileiro entra em esgoto e não fica doente.
Aliás, Guedes é o mais assustado com o coronavirus, a ponto de se ausentar de todos os eventos do governo.
No meio empresarial, acabou definitivamente qualquer veleidade em relação a Bolsonaro. Sabe-se que, ficando ou saindo, não terá mais a menor influência sobre reformas, nenhuma interlocução com o Congresso, nenhum respeito do Supremo, nenhuma ascendência sobre a área econômica.
Peça 4 – a direita virtual
A aposta na minimização do coronavirus minou amplamente sua ascendência sobre grupos de direita. É um fenômeno similar ao que está ocorrendo nos Estados Unidos.
No âmbito da grande mídia, cessou a época dos influenciadores negacionistas. Esta semana, foi demitida uma das principais âncoras da Fox News – a empresa que descobriu o público de direita e explorou até o limite os fake News políticos -, devido ao fato de ter minimizado a epidemia e atribuído as estatísticas a uma conspiração para derrubar Donald Trump. Esse mesmo processo vai se dar na mídia tradicional brasileira.Leia também: Justiça proíbe Bolsonaro de agir contra o combate ao coronavírus
Pesquisas feitas logo após os últimos pronunciamentos de Bolsonaro mostraram uma ampla queda entre eleitores de direita. Hoje em dia, o bolsonarismo está restrito a um grupo minoritário de terraplanistas, sem massa crítica para grandes manifestações. Tanto que as carreatas deste final de semana se tornaram um rotundo fracasso.
Peça 5 – o Judiciário
Até agora, majoritariamente o Judiciário e o Ministério Púbico se alinhavam com o bolsonarismo. Aparentemente, o noivado foi rompido. Houve sentenças em vários estados proibindo as carreatas. E uma sentença da Justiça Federal em Brasília proibindo a veiculação da campanha da Secom estimulando a quebra da quarentena.
Comprovando o enfraquecimento final de Bolsonaro, a Secom voltou atrás a ponto de negar que tivesse planejado a campanha.
Peça 6 – a queda de braço com os governadores
Outra derrota foi para os governadores, em sua tentativa de quebrar o isolamento para enfrentar o coronavirus. A maioria dos governos relevantes manteve sua posição de não quebrar o isolamento. E as capitais mostraram que a maioria da população acatou a ordem de não se juntar em grandes aglomerados.
Completou o ciclo a fala de Mandetta, fortalecendo a posição dos governadores, recomendando que não alterem sua estratégia.
A frente dos governadores, de enfrentamento do coronavirus, não é unânime apenas devido a alguns personagens extremamente medíocres, como Romeu Zema, governador de Minas.
Peça 7 – o papel de Rodrigo Maia
Nesse vácuo de poder, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se fortalece definitivamente como o grande interlocutor do mundo político, das empresas e dos partidos políticos em geral.Leia também: Pitacos: Está em curso um arriscado cabo de guerra, por Nender… o tal
Peça 8 – próximos passos
Stricto sensu, Jair Bolsonaro tem os seguintes instrumentos de exercício do poder de Presidente:
- O acesso a rede nacional para pronunciamentos.
- A rede de fake News do gabinete do ódio.
- Os resmungos do general Alberto Heleno, provavelmente o mais inepto militar que já passou pela área pública.
Haverá mais dois movimentos previsíveis.
Do lado dos Bolsonaro, o inconformismo resultando em novos crimes virtuais. Do lado dos órgãos de investigação, a aceleração dos inquéritos sobre seus filhos.
Fosse um grupo minimamente racional, os Bolsonaros recolheriam as armas e tentariam se recompor para um novo confronto mais adiante. Mas são toscos demais. Acuados, tenderão a dobrar a aposta.
Haverá inevitavelmente o choque final, no qual os Bolsonaro tentarão envolver bases das Polícias Militares, os caminhoneiros ligados a ele (que não são maioria na classe) e mais grupos aliados, já esvaziados. Tem-se, agora, uma hiena desdentada.
Quanto menos poder institucional, maior gritaria.
O que irá acontecer daqui para diante tem uma certeza e uma incógnita. A certeza é do fim de seu poder como presidente. A incógnita é a maneira como será tirado do poder.
Saindo, é questão de tempo para que ele e a família sejam julgados por tribunais nacionais e cortes internacionais e se faça Justiça com algumas décadas de atraso: ele deveria ter sido preso no momento em que foi expulso do Exército.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)