“Por que fechar escolas?”, questionou o presidente em mensagem nacional. Nem mesmo as crianças confinadas hoje seriam capazes de repetir algo assim
Cada dia de verborragia do presidente Bolsonaro, como o que foi visto em rede nacional nesta noite de terça, é um dia a menos para ver a solução da crise em que o Brasil se vê inserido. Uma crise sem precedentes. Cada conflito autoinflingido e de emulação da tática do presidente Donald Trump é mais um dia de sabotagem para o Brasil. E de autossabotagem do presidente que poderia estar unindo as pessoas na dor das mortes que estão chegando pelo coronavirus, —e vão se multiplicar —, e em propostas para encontrar um ponto de intersecção entre a economia e esta tragédia anunciada.
Seus acertos evaporam diante da quantidade de fel que ele injeta em suas palavras que deveriam serenar uma nação assustada. Mas Bolsonaro não quer que o brasileiro perca o medo. É o método do choque para neutralizar quem ele julga adversários. Se acerta ao deixar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e sua equipe, assumirem o protagonismo para orientar a população sobre o ritmo de expansão do vírus, faz questão de contrariar morbidamente as diretrizes que a Organização Mundial da Saúde (OMS). “O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas?”, questionou ele em vídeo.
Uma afirmação inacreditável, que nem mesmo as crianças confinadas hoje no Brasil poderiam repetir. A OMS já declarou que os pequenos são vetores de propagação do coronavírus, como mostrou a experiência chinesa. Se as crianças pegam, seus pais vão pegar, e quem estiver circulando e encontrar os pais, vai pegar. O motorista da van escolar, o vendedor da cantina. Podem-se isolar idosos, mas algum contato com o mundo externo eles terão. Seja na farmácia, no mercado, ou para receber um delivery. Bolsonaro sabe, ou deveria saber, o que Mandetta repete diariamente, sobre como funciona o vírus e seu contágio.
Mas o presidente tem maldade, enquanto a maioria dos brasileiros já se confinou sob a consciência admirável de entender que pode se contagiar, mas também ser fonte de contágio de alguém mais vulnerável que ele. Idoso ou alguém com menos recursos para se tratar em hospital. Ninguém quer essa responsabilidade para si, de ter contribuído para a morte de alguém. O presidente do Brasil, com seus 23 contagiados ao redor, nem consegue alcançar esse sentimento. “Esse cara é irresponsável, vai matar todo mundo, como quer abrir as escolas?”, gritava indignada uma mulher do balcão de uma janela em São Paulo.
Retórica para chocar. E não adianta se iludir. Bolsonaro vai seguir sendo isso. E o país precisa funcionar, apesar de Bolsonaro. Suas reações intempestivas, minuciosamente calculadas – quase sempre seguindo as de Trump —, já foram mapeadas e ele não vai sobreviver à crise do coronavírus. Não tem como. Deveria olhar também para seu ídolo e entender o que vem por aí. O presidente norte-americano lida hoje com mais de 52.000 infectados e 675 mortes. Nova York, com quase 26.000 infectados, virou o atual epicentro do coronavírus no mundo. No dia 13 de março, os EUA tinham 2.179 infectados e 47 mortos, quase o mesmo número que o Brasil nesta terça: 2.201 brasileiros infectados e 46 mortes.
Nesta terça, Trump também chocou o país ao sugerir que poderia abrir o confinamento a que o país se submeteu em duas semanas. Horas depois, moderou o tom, ao dizer que o mais importante “é a saúde dos norte-americanos”. Trump é Trump, e já anunciou pacotes trilionários para segurar seu prestígio junto à sociedade. Bolsonaro não tem esse dinheiro. E virão mais vítimas do coronavírus, e um luto profundo, que o presidente brasileiro prefere ignorar. Como ignora o capital criativo que poderia dispor para colocar o país com foco apenas na saúde. A indústria voltada a isso, puxada pela necessidade de investir na no fim da crise do coronavírus. Uma população consciente, disposta a se sacrificar por um bem maior. Mas Bolsonaro só enxerga 30%.
Perde a chance de relembrar que o Brasil já mostrou resiliência para outros desafios, como a própria propagação da Aids, nos anos 90. Também já trabalhou em conjunto com diversos setores da sociedade para vencer a recessão e a inflação quando o ex-presidente Itamar Franco pegou o país em frangalhos depois do impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992. Um ano depois, indústria, sindicatos, varejo e Governo sentavam à mesa para eleger um motor que colocasse a economia em pé. O símbolo daquele momento foi o fusca, e os carros populares, em que todos cediam um pouco, para garantir que a economia reagisse.
Imagina se Bolsonaro fosse o estadista que gostaria e se inspirasse em exemplos assim… Ele já não sabe fazer outra coisa se não fomentar o caos. Só que, agora, ele é engolido pelo mesmo caos que inventa. Não haverá rede social, nem narrativa que o salve do seu próprio desastre como presidente, criando factoides quase diários, para ganhar palmas dos seus 30% de apoiadores. Eles ainda resistem, embora haja fissuras nesse grupo. Mas virão as mortes, e com elas, a percepção de que muitas poderiam ser evitadas. E não foram porque Bolsonaro é arrogante. Não há como sair ileso. Nesta crise, ele assinou a própria sentença de morte política.
JUAN ARIAS ” EL PAIS” ( ESPANHA / BRASIL)