O coronavírus ainda não atingiu seu ápice, mas, sem dúvida, é possível prever uma queda acentuada na atividade econômica. Neste artigo do colaborador José Oswaldo Cândido Júnior, doutor em economia pela FGV/RJ, um resumo do que pode se esperar daqui para frente. A recessão virá, com certeza. A dúvida é qual o tamanho do tombo
A deterioração das previsões econômicas ocorre na mesma velocidade do grau de contágio da Covid-19. O Brasil que antes do primeiro caso tinha uma expectativa de crescimento do PIB da ordem de 2,2%, segundo a pesquisa Focus, atualmente apresenta cenários de recessão para muitos agentes econômicos.Publicidade
Há quem simule queda de até 4,4%, como o Centro de Macroeconomia Aplicada da FGV/SP. Até o governo admite um quadro recessivo no primeiro semestre deste ano, com estagnação da economia em 2020. É óbvio que o ambiente de elevadas incertezas quanto ao tempo de controle da pandemia amplia muita variabilidade das previsões.
Entretanto, o viés é de muito pessimismo, em função do choque externo, que alcança nossos principais parceiros comerciais, como China e EUA. Vale ressaltar ainda que a economia brasileira já vinha de um último trimestre de 2019 nada animador e agora enfrenta os efeitos devastadores da pandemia global.
No primeiro momento são os mercados financeiros que acusam o golpe: queda na Bolsa, disparada do dólar e aumento do risco-país. A virulência nestas condições antecipa a tempestade que está por vir.
Nos últimos cinco de dias de funcionamento da B3 encerrado no dia 20 (sexta), a bolsa acumulou perdas de cerca 19%, maior queda semanal desde 2008. O dólar alcançou um patamar inédito de R$ 5, a despeito das intervenções do Banco Central. O risco-país, medido pelo Credit Default Swap (CDS) de 5 anos, subiu de um patamar de 93 pontos em 21 de fevereiro, antes do registro do primeiro caso do coronavírus do Brasil, para 400 pontos no dia 19 de março. Portanto, um aumento de 330% em menos de um mês.
No lado real da economia, os efeitos do Coronavírus se traduzem em dois choques simultâneos. O de oferta, em função da queda da produção resultante do número de horas de trabalhadas, determinação de férias coletivas em fábricas e interrupção na cadeia de suprimentos de insumos, o que afeta a capacidade produtiva da indústria, a exemplo do setor automotivo e o eletroeletrônico. Segundo a Assoociação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, a produção no primeiro trimestre deverá ficar 22% mais baixa já refletindo a falta de componentes industriais produzidos na China.
O choque de oferta que afetou a China no primeiro trimestre, deve se repetir no segundo trimestre na Europa, Estados Unidos e por aqui. Há quem avalie, como o professor Simon Wren Lewis, da Universidade de Oxford, que esse choque é de menor impacto, isso porque, mais adiante, a produção pode ser retomada com turnos extras, repondo estoques e atendendo a demanda adiada. Assim, pode se recuperar parte do tempo perdido.
Porém, o que pode ter maior impacto é o choque de demanda desfavorável. A redução do consumo é inevitável, sobretudo aquele de natureza social, ou seja, aquele consumo que é realizado em contato com outras pessoas (lazer de um modo geral, viagens, ida a restaurantes, eventos, shows, shoppings). Hoje já estamos vivenciando esse episódio diante do período de quarentena e isolamento. Adicione-se a isso que, em momentos de incertezas econômicas, como o medo do desemprego, induzem as pessoas a queda no apetite por bens de consumo duráveis.
Em termos de ação pública, coube aos governadores, em especial os do RJ, SP e DF, o protagonismo inicial pela interrupção de aula, eventos públicos, o fechamento do comércio, restrição ao uso do transporte público e até mesmo o bloqueio das divisas do estado. Essa última medida proposta pelo governador do Rio.
Estas decisões foram objeto de conflito com o governo federal, em especial, com o Presidente da República que enxerga nas medidas um certo exagero. O fato é que um maior processo de isolamento social, que é eficaz no achatamento da curva dos casos, é proporcional à queda da atividade econômica. Mas esse é um trade off que precisa ser assumido, diante dos riscos. É só se espelhar no caso da Itália que se atrasou na adoção de medidas emergenciais e mais duras.
Do ponto de vista federal, o governo propôs um decreto de calamidade pública, já aprovado pelo Congresso Nacional. Com isso a União não precisará cumprir a meta de resultado primário de R$ 124 bilhões este ano, o que flexibiliza o mecanismo de contingenciamento dos gastos públicos realizado bimestralmente para o atingimento da meta.
O pacote do governo até o momento alcança R$ 170 bilhões. Pode ser resumido em postergação ou diferimento do pagamento de tributos, como o do Simples e as contribuições do FGTS, e antecipação do pagamento do 13º salário dos aposentados e pensionistas, do abono-salarial, reforço do bolsa família, ampliação dos saques do FGTS e o pagamento de R$ 200 por 3 meses aos informais. No combate direto à pandemia foram destinados cerca de R$ 12 bilhões, o que nos parece insuficiente em função da necessidade de leitos e equipamentos médicos que serão exigidos no momento mais agudo da crise que está por vir.
Certamente teremos que ter algum pacote de ajuda aos estados, que estão com as finanças combalidas e sem capacidade de endividamento. O certo é que o governo federal vai ser chamado a ampliar o seu grau de participação para combater os efeitos da Pandemia.
A nossa dificuldade é que hoje temos menor espaço fiscal para atuar na política anticíclica, que nesse momento é fundamental. A arte é prover os recursos necessários para atender a demanda da saúde e daqueles que estão em condições mais vulneráveis, não transformando gastos temporários em permanentes. Precisamos de uma saída organizada para a crise que se apresenta profunda e extremamente preocupante. Uma ação rápida, contundente e significativa é imprescindível.
JOSÉ CÂNDIDO JR. ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)
* José Oswaldo Cândido Júnior é doutor em Economia pela FGV/RJ. Atualmente, exerce o cargo de Assessor Parlamentar no Senado Federal