A primeira consequência política da pandemia do coronavírus decorre de seu impacto no terreno da economia. A expansão do vírus provocou indiretamente uma queda expressiva no preço do petróleo, o que, por sua vez, ocasionou uma queda generalizada dos preços das ações nas bolsas de valores em todo o mundo, um movimento que vem se repetindo em meio a fortes oscilações. Nesse cenário, as moedas de quase todos os países se desvalorizaram perante o dólar norte-americano.
Na realidade, a situação da economia mundial já não era boa, ela não constituía uma sólida barreira de contenção para a recessão que, tudo indica, será provocada pela pandemia do coronovírus. O Brasil, por sua vez, não terá como escapar das consequências dessa recessão global. A economia brasileira tampouco vinha bem. O resultado do crescimento do PIB de 2019, 1,1%, mostrou que a economia brasileira está estagnada num patamar baixo, com altos índices de desemprego.
Diante desse anunciado cenário econômico que evidentemente tem um impacto direto sobre a política, a reação do governo de Jair Bolsonaro demonstra certa confusão. Num primeiro momento, o presidente, ainda nos EUA, fez uma declaração dizendo que a epidemia não era importante. Ao mesmo tempo, aqui no Brasil, seu ministro da economia, Paulo Guedes, fazia uma pressão sobre o Congresso para a aprovação de 19 medidas que estão paradas no legislativo. Só o número, 19, no entanto, já indica que não está muito claro o que o governo realmente pretende fazer para enfrentar as consequências econômicas da pandemia.
A outra consequência política da pandemia passa pelo manejo da questão de saúde pública. O problema sanitário irá requerer um esforço grande, concentrado, organizado e também investimentos do Estado nacional.
Depois dos panelaços
Levando em consideração todas as cautelas que convém ter, considero que a conjuntura mudou com os panelaços. Ela mudou não no sentido de que alguma coisa irá acontecer do dia para a noite ou que vai mudar da água para o vinho, mas alguma coisa nova começa a acontecer. O primeiro panelaço, na terça-feira, 17 de março, foi uma manifestação espontânea, não convocada por movimentos organizados, uma manifestação que se irradiou pelo país inteiro e uma manifestação que ocorreu, sobretudo, em bairros de classe média. Não custa lembrar que esses bairros de classe média foram locais em que Bolsonaro obteve grande apoio e votação nas eleições de 2018.
Estamos, portanto, diante de uma alteração de sentimento importante. Atribuo essa alteração às atitudes adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro nos dias que antecederam os panelaços, em particular à sua decisão de comparecer a uma manifestação em Brasília em 15 de março. Tratava-se de uma manifestação contra o Congresso Nacional e contra STF. Ele não poderia ter apoiado e muito menos ter participado dessa manifestação, porque a Constituição exige que o presidente não impeça o livre exercício dos poderes que são paralelos ao poder executivo.
Além disso, ele desrespeitou abertamente as orientações de seu ministro da Saúde criando um contraste brutal entre as orientações médicas ante uma pandemia da maior gravidade e as ações do próprio presidente da República. Nesse momento, Jair Bolsonaro atravessou uma espécie de linha vermelha. Diante disso, as pessoas decidiram dizer: basta! E não foram somente pessoas que já se colocavam no campo da oposição.
Não é possível prever o que irá acontecer. Tudo indica, porém, que ainda que não seja uma transformação radical, a conjuntura começou a mudar. A sociedade começou a se mobilizar. A sociedade não pode tudo, é preciso observar como os atores políticos, como as instituições irão reagir, mas apesar disso, a sociedade pode bastante.
ANDRÉ SINGER ” SITE A TERRA É REDONDA” ( BRASIL)
Professor titular do departamento de Ciência Política da USP