Políticos temem provocar generais
E desconfiam de suas intenções
Por isso, pouco reagiram a Heleno
A convocação de manifestações pelo fechamento do Congresso gerou um sistema de realidades paralelas em Brasília. No cenário visível a todos há um embate entre Executivo e Legislativo pelo controle do Orçamento. É uma disputa onde os 2 lados têm bons argumentos para decidir o destino de míseros R$ 30 bilhões –uma mostra de como a folga para investimentos no orçamento é ridícula. Mas por detrás desse debate há um tema que todos temem discutir seriamente: o limite do poder dos militares.
Jair Bolsonaro montou o governo mais militarizado da história. Mesmo os presidentes generais do regime militar tinham menos ministros fardados. No mês passado, o presidente nomeou um 2º general da ativa como ministro, o novo chefe da Casa Civil, Braga Netto, e o almirante Flavio Rocha para a Secretaria de Assuntos Estratégicos. Agora, dos 4 ministros com gabinete no Palácio do Planalto, 3 são generais. O 4º é um ex-major da Polícia Militar. No governo Bolsonaro são 10 ministros militares e centenas em diretorias e cargos de confiança nos ministérios.
Tanta presença tem efeitos reais na administração pública. A reforma das pensões militares escondeu uma histórica reestruturação das carreiras dos oficiais. Na ponta do lápis, a reforma custará mais dinheiro ao contribuinte do que a economia com as novas regras de pensão. No ano passado, o pior ano em investimentos públicos em décadas, os gastos militares cresceram 36%, incluindo R$ 7,6 bilhões de aumento de capital da estatal Emgepron, empresa da Marinha para a construção de corvetas. Para este ano, em um privilégio inédito, o Executivo propôs e o Legislativo aprovou a proibição do bloqueio das verbas do Ministério da Defesa na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Por isso é surpreendente, mas este não é um impasse sobre dinheiro. Apenas na economia com o pagamento de juros com as sucessivas quedas da taxa Selic, a União vai economizar mais de R$ 90 bilhões nesse ano. A disputa pelas verbas livres do orçamento –por mais importante que seja– é apenas a ferramenta para mostrar se os políticos podem ou não retomar o comando sobre os militares. Na vida real, não sabe como eles reagiriam. E ninguém quer arriscar.
Esta dúvida explica as declarações protocolares do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, às manifestações pró-ditadura marcadas para o próximo dia 15. Os atos nasceram da bravata do ministro general Augusto Heleno de que “não podemos (o governo) aceitar esses caras (o Congresso) chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”. Em homenagem a Heleno, os posts dos bolsonaristas para 15/3 batizaram os atos como o “Dia do Foda-se”. O presidente Bolsonaro compartilhou vídeos da convocação e Heleno não desautorizou o uso de sua imagem no ato de intimidação ao Congresso.
É possível que até o dia 15 seja amarrado um acordo que reduza a tensão entre Planalto e Congresso. Uma das premissas será engavetar os pedidos de convocação do general Heleno para depor sobre suas declarações, uma vez que que a possibilidade de confronto é certa. Mas mesmo nessa hipótese benigna, o saldo é amargo. Os militares terão sempre no bolso a possibilidade de convocar novos protestos contra os políticos.
O Congresso não gosta do estilo Bolsonaro, mas ambos encontraram no 1º ano de governo um termo de convivência. Mas os políticos não sabem lidar com os militares. Parte dos congressistas acha que os generais estão apostando no governo Bolsonaro para tentar dar um norte à gestão e interditar os ministros lunáticos. Seria uma intervenção branca que se encerraria com o fim do governo Bolsonaro, respeitando o calendário eleitoral.
Parte da elite política, no entanto, enxerga na ocupação militar um projeto de poder, no qual o capitão Jair Bolsonaro é só o veículo de um futuro governo autoritário. A desconfiança sobre a intenção dos militares se tornou o novo normal em Brasília. Este é o verdadeiro impasse.
THOMAS TRAUMANN ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)
Thomas Traumann
Thomas Traumann, 52 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp).