Em que pese o destempero flagrante na tentativa de resolver uma greve na marra e na força de uma retroescavadeira, o tiro disparado contra senador Cid Gomes é o sintoma mais eloquente da perigosa ruptura do tecido social do país, esgarçado pelos ataques frequentes e imoderados do presidente Bolsonaro. A cada dia, descemos um degrau em direção à absoluta falta de limite no trato das naturais diferenças da sociedade brasileira. O insulto ignóbil, a palavra torpe, a vilania abusiva da autoridade máxima da República contribuem para firmar no inconsciente coletivo da sociedade a certeza de que tudo pode e deve ser feito contra aqueles que se antepõe à nossa visão de mundo.
Assim, multiplicam-se as ofensas a comunistas e esquerdistas em geral; disparam as agressões a lésbicas e gays; proclamam-se mortes decorrentes da ação policial como troféu; difundem a difamação como método; confrontam o adversário não para vencê-lo. mas para eliminá-lo. Neste torvelinho de ódio, ergue-se, por fim, a versão caluniosa que, exposta nas redes sociais por falanges robotizadas, substitui a verdade, obtendo mais força do que o próprio fato. Às avessas, confirma-se o vaticínio de Nietzche: “Já não há fatos, apenas versões”. A história do país está se tornando uma fábula, construída na deliberada distorção da verdade a partir da presidência da república e de seus acólitos.
As agressões misóginas à repórter da Folha são uma página desta fábula tenebrosa em que tentam transformar nossa história. Por mais repugnante, o ato não é isolado. Não resulta de um deslize ocasional; é parte de um enredo cujo epílogo é a demolição dos alicerces democráticos do país.
Mais do que um crime isolado, a bala alojada no pulmão do senador Cid Gomes é o sintoma mais contundente de que já não vivemos somente a irremediável discórdia; a abominável intolerância; a repugnante truculência emanada pelo poder. A barbárie já começou. E só será contida pela ação enérgica do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Se as instituições, neste momento, não puserem freios a esta degradação de métodos e princípios, a Nação mergulhará numa crise sem precedentes, levando de roldão a maior conquista da sociedade brasileira: a democracia – construída na luta dos que ofereceram a vida contra o arbítrio de 64 e edificada na Constituição cidadã de 88.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem-se mostrado preocupado com atual escalada de gestos e ações que comprometem o regime democrático. Não será improvável que, a curto prazo, proclame posições duras de oposição aos arroubos autoritários presidenciais. Na mesma linha, espera-se uma nítida tomada de posição dos ministros do Supremo – guardiões finais dos princípios democráticos liberais de Tocqueville, pilares da Constituição Brasileira.
Neste momento, os democratas de todos os matizem precisam estar juntos. Para além das batalhas eleitorais, a unidade é essencial para derrotar a barbárie e garantir a integridade da democracia brasileira. Churchil, Roosevelt e Stalin já nos ensinaram que é necessário grandeza quando se tem pela frente um adversário ardiloso. A gravidade do momento não permite erros tampouco vaidades. Exige ação!
RICARDO BRUNO ” BLOG 237″ ( BRASIL)
Jornalista político, apresentador do programa Jogo do Poder (Rio) e ex-secretário de comunicação do Estado do Rio