O século XX foi marcado por vários personagens da política internacional, sobretudo entre a Grande Guerra (1914 – 1919) e a Segunda Guerra (1940 – 1945). Foi um convulsionado período assinalado pela Revolução Soviética, em 1917, e o fim de muitas monarquias europeias, entre as quais, a Rússia czarista, o Império alemão dos Hohenzollern, o Grande Ducado da Prússia, Itália dos Savoia, Áustria-Hungria, da Imperial Viena dos Habsburgo, soberana de quase toda a Mitteleuropa, ou seja, a Europa Central, e a Turquia do Sultanato Otomano, abarcando, para além do Oriente Médio, vários países da Península Balcânica, inclusive Romênia, Bulgária e Sérvia.
Pelo menos três dos fundadores da União Soviética estão entre os maiores personagens do século passado: o russo Vladimir Lenin (1870 – 1924), ideólogo da Revolução de 1917, o ucraniano Leon Trotsky (1879 – 1940), de família judaica, criador do Exército Vermelho, e o georgiano Josef Stalin (1878 – 1953), consolidador do regime comunista. Destacam-se ainda outros tiranos. Entre eles, o alemão nazista Adolf Hitler e o italiano Benito Mussolini – bem como Fidel Castro, que implantou em 1959 o comunismo vigente até hoje em Cuba.
Dois presidentes dos Estados Unidos podem, igualmente, entrar na lista: o novaiorquino Theodore Roosevelt (1858 – 1919), do Partido Republicano, fundado pelo kentuckiano Abraham Lincoln (1809 – 1865), e o massachusetano John Kennedy (1917 – 1963), do Partido Democrata, estabelecido, em 1791, por um dos pais da nação, o virginiano Thomas Jefferson (1743 – 1826).
Outro nome possível é o do conservador líder britânico, Winston Churchill (1874 – 1965), nascido em Oxfordshire, ao Sul da Inglaterra. O maior vulto brasileiro, no século XX, teria sido, a propósito, o gaúcho Getúlio Vargas, que perfilou o País, na Segunda Guerra, enviando tropas para combater na Europa as forças do Eixo comandadas por Itália e Alemanha.
O mais carismático dos líderes dos países de língua árabe, agrupados desde 1945 na Liga Árabe, foi o egípcio Gamal Abdel Nasser (1918 – 1970), ao lado de dois ex-presidentes libaneses: Camille Chamoun (1900 – 1987), criador do Partido Nacional Liberal, e Fouad Chehab (1902 – 1973), o ‘general sem medo’ que se opôs, ao contrário da Síria, à anexação do País dos Cedros ao regime nacionalista dos coronéis do Cairo.
Já em relação ao século XIX, estudiosos, situados à esquerda atribuem o título de principal personagem ao filósofo alemão judeu Karl Marx (1818 – 1883), autor do “Manifesto Comunista” (1848) e “O Capital” (1867). Mas, com o distanciamento natural do tempo, poucos, convenhamos, discordam que o maior vulto do século XIX foi Napoleão Bonaparte (1769 – 1821).
Ele é considerado, inegavelmente, o mais grandiosos dos personagens de toda a História da França. Um nome à altura de Clovis, primeiro Rei dos Francos, grande conversor da nação ao Catolicismo, morto no ano 511. Ou de Carlos Magno (742 – 814), baluarte da Europa Cristã, que recriou o Império Romano e conteve o avanço da espada do Islã no continente. Tão expressivo, claro, quanto Santa Joana d’Arc (1412 – 1431), natural de Orleans, heroína da Guerra dos Cem Anos (1337 – 1453).
E maior, convenhamos, do que o celebrado General Charles de Gaulle (1890 – 1970), que, na Segunda Guerra (1940 – 1945), rebelou-se contra a submissão de Paris aos invasores da Alemanha hitlerista e bateu-se contra Berlim, desde o exílio em Londres, ao lado dos aliados Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e Brasil. Napoleão nasceu na ilha francesa da Córsega, no coração do Mediterrâneo ocidental, numa família oriunda da nobreza rural italiana, com sobrenome tipicamente peninsular.
Viveu apenas 52 anos e foi derrotado, implacavelmente, em duas ocasiões, em 1813, com a queda de Paris, depois da fracassada invasão à Rússia, e, dois anos mais tarde, na localidade belga de Waterloo, após ser esmagado pela Inglaterra e a Prússia – nação que deu origem à contemporânea Alemanha e cujos históricos territórios, ao longo do Mar Báltico, de Danzica (atual Gdansk) a Königsberg (rebatizada para Kaliningrado), seriam anexados, respectivamente, à Polônia e Rússia, no final do segundo conflito mundial.
As derrotas nos campos de batalha, contudo, não roubariam ao corso o posto de maior personalidade do século XIX. Preso, primeiramente, na italiana ilha de Elba, pertencente à Região da Toscana, o General de Ajaccio, sua cidade natal na Córsega, escaparia em rocambolesca fuga e, posteriormente, amargaria o desterro de seis anos, até a morte, prisioneiro dos ingleses, na ilha de Santa Helena, ao Sul do Atlântico, entre Angola e a Bahia, porém, mais próxima à costa africana.
O território está há 200 anos sob controle de Londres, apesar de ter sido descoberto em 1501, pelo navegador galego João da Nova (1460 – 1509), natural de Orense, à serviço do Bem-Aventurado monarca lusitano, Dom Manuel I (1469 – 1521) – em cujo reinado Portugal alcançaria a Índia, em 1498, com o Almirante Vasco da Gama e, dois anos mais tarde, descobriria o Brasil. Portugal, aliás, não traz boas recordações ao bonapartismo.
Foi em Lisboa, às margens do Rio Tejo, a poucos quilômetros do Atlântico, que as tropas invasoras de Napoleão, comandadas pelo General Jean-Andoche Junot (1771 – 1813), ficaram a ver navios – dando origem a expressão tão comum no universo da língua portuguesa. Os franceses, ao chegaram ao cais lisboeta, conseguiram, com efeito, apenas vislumbrar no horizonte os navios portugueses, que haviam partido, escoltados pelos aliados ingleses, levando para o Rio de Janeiro a numerosa Corte da Rainha Dona Maria I (1734 – 1816), cognominada A Piedosa, mas também chamada de A Louca por seus detratores republicanos, e de seu filho, o então Príncipe Regente, Dom João VI (1767 – 1826), dono do epíteto O Clemente.
Dona Maria I morreria no Palácio Imperial de São Cristóvão, atual Museu Nacional, e, aqui mesmo, seu filho seria proclamado Rei de Portugal. Criaria, em seguida, o Reino Unido Portugal, Brasil e Algarves, tendo como capital a Cidade Maravilhosa – única metrópole do Novo Mundo que foi sede de um Império europeu.
Curiosamente, embora ascendesse ao poder no fervor republicano da Revolução Francesa, de 1789, Napoleão tinha um apreço muito especial pelas cabeças coroadas, Ele mesmo se autoproclamaria Imperador da França, em 1804, na parisiense Catedral de Notre-Dame – como faziam, tradicionalmente, as casas dinásticas gaulesas dos Bourbon e dos Orléans. Ao conquistar a Península Itálica, em 1805, criaria o Reino de Itália, no qual o seu filho, Napoleão II (1811 – 1832), viria a ser proclamado Rei de Roma.
Outro exemplo de seu monarquismo explícito ocorreu quando subjugou, em 1807, a Espanha. Ele não transformaria em república a nação ibérica. Muito pelo contrário. Despachou para Madri, no ano seguinte, seu irmão mais velho, Joseph Bonaparte (1768 – 1844), como Rei de Espanha e das Índias, ou seja, das Américas e dos territórios asiáticos, entre os quais, as Filipinas. Permaneceu Joseph no trono por cinco anos – até ser obrigado a abdicar devido a um levante popular. Antes mesmo de se impor aos Bourbon madrilenhos, Napoleão havia aplastado, em 1806, a república holandesa, de inspiração calvinista, criando o Reino Católico dos Países Baixos, cujo primeiro monarca foi outro de seus irmãos, Luis Bonaparte I (1778 – 1846).
O Reino da Holanda, implantado pelos Bonaparte, perdura até os nossos dias. E influenciou a independência belga, em 1830, com outra monarquia católica – ainda existente. A Bélgica era, até então, um território reivindicado, respectivamente, pela França e a Holanda. O litígio foi superado por determinação de Luis Felipe I de França (1773 – 1850), o Rei Cidadão, que subiu ao poder pelo restauração da Coroa da Casa de Orléans. O reino belga mantém até hoje, como idiomas oficiais, o francês e o holandês.
Emergem inúmeros personagens que participaram das campanhas épicas e da derrocada napoleônica. Um deles chama a atenção de muitos historiadores, o cristão Ortodoxo, Raza Roustan (1783 – 1845), de pais naturais da Armênia, o legendário Mameluk Roustan de Bonaparte, nascido em Tbilissi, capital da caucasiana Geórgia, chefe da guarda pessoal do Empereur francês – e meu tetravô. Teria sido o mítico Roustan, quem conseguiria, em 1812, retirar Napoleão da Rússia. O georgiano, com sua indumentária oriental, e o comandante, disfarçado em trajes femininos. Fugiriam para a França, onde, pouco depois, o Imperador seria deposto. Roustan teve uma vida atribulada.
Foi sequestrado, aos 13 anos, na capital georgiana, por mercadores maometanos e vendido como escravo no Cairo – que vivia as últimas décadas do califado Fatímida dos Mamelucos. Dois anos depois, em 1798, quando Napoleão conquistou o Egito, foi presenteado pelo sheik cairota com o jovem escravo de então 15 anos. Roustan permaneceria até 1814 à frente da guarda pessoal do destemido corso. Romperiam, posteriormente, porém, Roustan moraria até a morte na cidade francesa de Dourdan, a 40 quilômetros de Paris, casado com uma peninsular que conhecera na campanha da Itália.
Foi enterrado no pequeno cemitério da cidade, que recebe, em todas as estações do ano, admiradores de diversas partes do planeta. Eu mesmo lá estive, acompanhado de minha esposa, Dona Andrea Wolffenbüttel, numa chuvosa manhã de outono, em novembro de 2003. A expedição de Napoleão ao Cairo marcaria para sempre sua trajetória. Encantou-se, profundamente, pela cultura do Egito, com suas milenares pirâmides e esfinges.
Enviaria ao Cairo artistas e pesquisadores e levaria, para a França, preciosas peças, especialmente, o obelisco que adorna a monumental Place de la Concorde. Napoleão jogaria nova luz sobre o Império dos Faraós. Inspiraria, de uma certa maneira, o surgimento do Orientalismo nas letras francesas e o despertar, no século XX, do Nacionalismo Árabe, formulado pelo intelectual sírio Michel Aflak (1910 – 1989), cristão Ortodoxo damasceno, e que teve seu esplendor no Egito nasserista das décadas de 1950 e 1960.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador