Ibsen foi vítima de um processo político sobre o qual perdeu o controle em 1993 e terminou injustamente cassado por seus pares na Câmara dos Deputados.
A morte de Ibsen Pinheiro priva o país de um dos homens de espírito público mais agudos e aguçados que conheci e com os quais tive o privilégio de conviver.
Dono de uma retórica inteligente, de raciocínio rápido, de um repertório de frases geniais e de agilidade incomum para ler cenários políticos e seus desdobramentos, foi uma das primeiras e melhores fontes de informação que constituí quando cheguei a Brasília em 1991. Ele era presidente da Câmara. Eu, repórter de Veja. Tornamo-nos amigos, em que pese a diferença de idade.
No volume 1 de “Trapaça – saga política no universo paralelo brasileiro”, lançado em novembro passado, narro alguns episódios que dão a dimensão da sagacidade política de Ibsen. No volume 2 haverá novas chances de relembrar esse homem público em ação e o diapasão de seu espírito libertário.
Ibsen foi vítima de um processo político sobre o qual perdeu o controle em 1993 e terminou injustamente cassado por seus pares na Câmara dos Deputados. Acerca daquele episódio, certa vez, sentado numa cadeira de balanço enfeitada com almofadas do Internacional que tinha na sala de seu apartamento em Porto Alegre, revelou-me: “no dia seguinte à cassação, acordei, fui fazer a barba, olhei-me no espelho, navalha em punho, e disse para meu reflexo: não morra, sua morte será a vitória total de seus algozes. Viva para derrotá-los. Sua vida será a derrota deles”.Leia também: Assista ao episódio 2 da série do GGN sobre Lava Jato e EUA
Em 1999 Ibsen foi absolvido e inocentado em todos os processos nos quais era acusado. Naquele ano, já em Época e na condição de editor-executivo, reuni ele e Alceni Guerra, outro injustiçado por processos midiáticos e inocentado pela Justiça no mesmo período, para um longo bate papo sobre seus processos e sobre massacres e justiçamentos cometidos contra políticos. Observem, falo de 1999!
Em 2004, repórteres imbuídos de espíritos de porco, nomes menores comidos pela poeira do tempo em Istoé e em Veja, interceptaram uma troca de cartas mantida entre eu e Ibsen e destinada à biografia dele. Distorceram o episódio em que eu o autorizava a contar no livro como se deu a publicação de uma reportagem incorreta em Veja em 1993 (de resto, publicada também em todos os demais veículos de comunicação no mesmo momento, porém a revista gozava de imenso prestígio naqueles anos 1990 e formava opinião mesmo entre os veículos concorrentes) e corrigida uma semana depois – mas tragicamente convertida em catalisadora do processo de cassação do mandato dele.
O que Istoé e Veja fizeram já em 2004 foi assassinato de reputações – um dos primeiros episódios dessa prática que se tornou usual a partir dali, tentando eliminar biografias no meio do caminho para enfraquecer o governo Lula. Nem mesmo no auge daquele processo, muito bem mediado pelo Observatório da Imprensa (memória disso no Google) afastou-nos. Encontrei Ibsen algumas vezes depois daquele episódio, lamentamos o curso rasteiro do debate, e ele sempre soube que a verdade estava fora do processo midiático.Leia também: A guerra de Bolsonaro contra a verdade, por Petra Costa
É necessário para mim deixar aqui a memória daquele processo. Voltando a homenagear Ibsen Pinheiro:
Não só a família, Cássia Zanon e Márcio Pinheiro, e a neta de um avô certamente amoroso, sentirão falta dele. O Brasil perdeu um político plural, maior. Uma pena, pois partiu ainda cheio de lucidez.
Nota GGN – Sobre o episódio, leia a matéria do GaúchaZH onde Luís Costa Pinto detalha o ocorrido. [aqui]
LUIS COSTA PINTO ” JORNAL GGN” ( BRASIL)