Faltam mais informações sobre decolagem
Sem base, governo puxa PIB privado
Produtividade em queda é limitador
Mais talvez do que o aumento de 0,6% no PIB, no terceiro trimestre de 2019 sobre o segundo trimestre, chamou a atenção a euforia com que esse avanço, situado 0,2 ponto percentual acima das projeções medianas, foi recebido pelo governo e seu núcleo duro de apoiadores entre os economistas. Depois de crescer 0,4% no período abril-junho, de acordo com essa avaliação, a economia estaria engatando uma recuperação mais vigorosa e sustentável.
Com a rapidez que já a caracteriza, a Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, sempre ela, apareceu com um estudo procurando mostrar que a expansão econômica em curso estaria sendo puxada pelo setor privado, depois de anos de predomínio do setor público na dinâmica da economia. A base da tese é a de que o consumo das famílias e o investimento estão agora crescendo, enquanto o consumo do governo mostra retração.
A mensagem embutida na “descoberta” era óbvia e não deixou de ser destacada no documento da SPE: a retirada do Estado da economia e os esforços para reduzir seu tamanho já estão promovendo a volta da confiança do setor privado, o que já se refletiria na ocupação do espaço aberto por empresas e bancos privados, e em alta dos investimentos.
Nos cálculos da SPE, o PIB privado teria subido 1,69% no segundo trimestre de 2019, em relação ao segundo trimestre de 2018, enquanto o PIB do setor público teria recuado, no mesmo período, 1,56%. O trabalho oficial observa que, cinco anos atrás, no segundo trimestre de 2014, enquanto o PIB privado recuava 0,56%, o PIB do governo crescia 3,5%.
Choveram, é claro, críticas ao estudo da SPE. Inclusive de técnicos mais alinhados com as ideias da equipe econômica. É o caso do economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília (UnB), que chegou a fazer parte da equipe de Paulo Guedes, na formação do ministério. Em 23 anos, desde 1996, observou Ellery, apenas em sete anos o crescimento do consumo do governo foi maior do que o crescimento do consumo das famílias e do que o crescimento do investimento. No período petista, de 2003 a 2015, destaca o economista, esse fenômeno ocorreu apenas em 2003 e 2015.
“Consumo das famílias e/ou investimento crescendo mais do que o consumo do governo não quer dizer que a economia está sendo puxada pelo setor privado, quando muito quer dizer que o governo está levando uma fatia menor do PIB”, escreveu Ellery, em sua conta no Twitter. Em entrevista ao “Valor Econômico”, ele resumiu: “Estão fazendo um carnaval que não diz nada, uma propaganda vazia”.
Também entrevistado sobre o tema pelo “Valor”, Guilherme Magacho, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisador da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro), lembrou que um cálculo que objetive separar o PIB privado do PIB público enfrenta questões muito mais complexas do que os levantados pela SPE. Há, segundo ele, elementos públicos nos dados do setor privado, como, por exemplo, na parte do consumo das famílias que vem das transferências de dinheiro do governo. Um outro exemplo pode ser colhido no investimento público. “Tem efeito multiplicador sobre a atividade privada, colaborando para reduzir, entre outros, custos lógisticos e com energia”, diz ele.
Choveram, igualmente, ressalvas à euforia de alguns com os números do terceiro trimestre. Depois de crescer 0,4% no segundo trimestre, o PIB engatou uma segunda marcha entre julho e setembro, avançando 0,6%, e é possível que cresça outro tanto no último quarto do ano. As projeções para a expansão de 2019, antes abaixo de 1%, andam agora no entorno de 1,2% e 1,3%.
É um quadro mais animado do que aquele que se apresentava no fim do primeiro semestre, quando o crescimento projetado para o ano andava num intervalo de 0,5% a 0,8%. Mas falta volume de informação para sustentar a conclusão de que a economia começa a decolar para um voo de curso mais longo e sustentado.
Primeiro, a própria expansão registrada pela variação trimestral do PIB deve ser tomada com as devidas cautelas. Os números divulgados pelo IBGE dois meses depois de findo os trimestres, a rigor, não passam de antecipações, espécie de “prévia” do verdadeiro comportamento da economia. Tanto que números definitivos só são divulgados dois anos depois, na última das revisões periódicas que vão sendo feitas ao longo do tempo.
Não foi por coincidência que, na mesma data em que foi anunciado o PIB do terceiro trimestre de 2019, o IBGE informou a variação definitiva do PIB de 2017 e divulgou mais uma revisão do PIB de 2018. Ambos saíram de um crescimento “prévio” de 1%, em 2017, e 1,1%, em 2018, para 1,3%, na revisão de dezembro de 2019. Assim, se confirmadas as novas projeções para este ano, será o terceiro consecutivo de crescimento no mesmo (baixo) ritmo.
O empuxo na atividade econômica agora no fim do ano ajudou a incrementar as previsões para 2020. Ganhou corpo a projeção de um crescimento entre 2,3% e 2,5%, no ano que vem. Eram os mesmo números previstos em fins de 2018 para 2019, mas, na realidade, o resultado ficará na metade do projetado. Gato escaldado…
Não quer dizer que não possa ocorrer um crescimento acima de 2% em 2020. Contudo, ainda que a previsão se confirme, cinco anos depois do início da grande recessão, mesmo com essa expansão, a atividade continuará a rodar abaixo do pico prévio anterior.
O investimento, que cresceu 2% no terceiro trimestre e animou bastante quem já queria se animar, ainda está 23% abaixo do nível em que se encontrava no início de 2014. Elemento importante do investimento, com efeitos disseminados pela economia, a construção civil tem mostrado recuperação, só que limitada por enquanto a empreendimentos residenciais, sobretudo em São Paulo. Observada em conjunto, a construção ainda opera volumes 30% inferiores aos registrados no começo de 2014.
Faltam dados para caracterizar melhor a recuperação deste segundo semestre. É cedo para saber o tamanho do efeito das medidas de estímulo à demanda, como a liberação antecipação do FGTS — que, por sinal, contrariam o discurso do ministro Paulo Guedes. Mas é possível ter em mente que há limites ao crescimento do outro lado da porta.
O indicador trimestral da produtividade do trabalho, calculado pelo Observatório da Produtividade, recém-criado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV-RJ, mostrou, no terceiro trimestre, um recuo de 0,7% sobre o mesmo período de 2018. Já são três quedas na produtividade, medida pelas horas trabalhadas em 2019, configurando um sinal amarelo para a sustentação da recuperação recente. Com a produtividade em queda, é pequena a probabilidade de o PIB avançar mais do que 2% ao ano.
Tudo considerado, a valorização excessiva dos décimos ou centésimos de crescimento do PIB trimestral apenas denuncia a ansiedade do analista para confirmar que sua linha de pensamento econômica, alinhada, no caso específico, à do ministro Paulo Guedes, é superior a qualquer outra. Mas a verdade é que, enquanto perdurar a batalha dos centésimos, nada garante que o PIB venha a terminar como pibinho ou pibão.
JOSÉ PAULO KUPFER ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)