Uma preciosa e arrebatadora obra, “Heróis de 59”, comemora, neste 2019, a inesquecível façanha do Bahia, ao narrar a odisseia do ‘Esquadrão de Aço’ na conquista, há quase 60 anos, da primeira competição interclubes de abrangência nacional, a I Taça Brasil, semelhante à atual Copa Brasil – e criada para definir o representante do País na futura Taça Libertadores.
Treinado pelo sagaz argentino Carlos Volante (1910 – 1987), o Bahia abateu, na final, por 3 a 1, o fenomenal Santos, que jogou sem Pelé, no Maracanã, na noite de 29 de março de 1960. Nascido em Lanús, ao Sul de Buenos Aires, Volante brilhou em seu próprio país, transferindo-se, depois, para Itália e França, antes de marcar época, entre os anos 1930 e 1940, como médio-volante do Flamengo.
O livro “Heróis de 59” é uma pesquisa de fôlego do perspicaz jornalista Antônio Matos, de 71 anos, baiano de Salvador, que antecipa os festejos de seis décadas do surgimento, em 1960, da prestigiosa Libertadores – cujo vencedor da 59ª edição foi o incansável Flamengo do português Jorge Jesus, de 65 anos, o ‘Mister’, natural da Grande Lisboa, ao derrotar o River Plate, por 2 a 1, no último sábado, em Lima.
O torneio, a propósito, evoca, em seus homenageados, uma dupla de ilustríssimos vultos da História do Brasil: o Imperador Dom Pedro I (1798 – 1834), O Rei Soldado, que, em Portugal, é Pedro IV, vindo ao mundo no Palácio Real de Queluz, nas redondezas de Lisboa, e o prócer luso-brasileiro, o santista José Bonifácio de Andrada e Silva (1763 – 1838), o Patriarca da Independência.
O aguerrido uruguaio Peñarol foi o ganhador dos dois primeiros certames continentais. O clube de Montevidéu seria comandado, de 1962 a 1963, pelo mítico coach húngaro Béla Guttmann (1899 – 1981). Ele tinha sido campeão paulista, em 1957, à frente do São Paulo, com o virtuoso meia-direita Zizinho, aos 36 anos, um dos raros sobreviventes da debacle no Mundial de 1950.
Também Guttmann, a exemplo de Jesus, revolucionou o futebol no País. Foi ele quem implantou no tricolor paulistano o esquema tático 4-2-4, que traria para o Brasil o primeiro título mundial, em 1958, na Suécia, sob a regência de Vicente Feola (1909 – 1975), seu auxiliar-técnico no São Paulo. O magiar dirigiria o fabuloso Benfica no bicampeonato europeu, em 1961 e 1962, com uma equipa estrelada por vários jogadores do Ultramar, dentre eles, o goleador angolano Águas (1930 – 2000) e três moçambicanos: o imbatível guarda-redes Costa Pereira (1929 – 1990), o maestro Coluna (1935 -2014), no meio de campo, e, na linha ofensiva, A Pantera Eusébio (1942 – 2014). Publicado na baianíssima Solisluna Editora, “Heróis de 59” mostra como foi engendrado o poderoso time que participou da I Taça Libertadores – sendo desclassificado na rodada inicial pelo portenho San Lorenzo. Mas a caminhada ao título brasileiro jamais se apagaria.
Foi campeão da Região Norte-Nordeste, na primeira fase, e, em seguida, nas semifinais, eliminaria o querido Vasco da Gama, do zagueiro-central Bellini (1930 – 2014), legendário capitão da Seleção no Mundial de 1958. O Bahia foi à finalíssima contra a máquina demolidora do Santos. Triunfou, surpreendentemente, na Vila Belmiro, por 3 a 2, porém, perdeu na Fonte Nova, por 2 a 0. Recuperou-se no terceiro encontro e levou para Salvador a Taça Brasil. Emergem no estudo de Matos personagens da proeza de 1959.
Dois deles estão vivos: o goalkeeper Nadinho, baiano de Alagoinhas, com 89 anos, que havia passado pelo Vitória e Bangu, e o zagueiro-central, Henrique, 86 anos, a ‘muralha tricolor’, um carioca contratado à Portuguesa do Rio de Janeiro. Destacavam-se ainda o capitão da equipe, o centromédio Vicente Arenari (1935 – 2013), proveniente do Flamengo, os pontas Marito (1932 – 2011), pela direita, e Biriba (1936 – 2006), à esquerda, ambos soteropolitanos, e o miolo de ataque com o cearense Alencar (1937 – 2006), adquirido do Ceará Sporting, e o itabunense Léo Briglia (1929 – 2016), artilheiro do Fluminense.
Volante está na galeria dos estrangeiros lendários do Flamengo. Entre os quais, dois técnicos inolvidáveis: o introdutor do sistema WM no Brasil, Izidor ‘Dori’ Kürschner (1885 – 1941), húngaro como Guttmann, e El Brujo Fleitas Solich (1900 – 1984), paraguaio que, igual a Jesus, realizou uma transformação no rubro-negro, conduzindo-o à glória do segundo tricampeonato carioca (1953-1955).
Com a bola nos pés, Volante tinha sido um dos cérebros do extraordinário Flamengo de 1939, estruturado por Kürschner – e fulminante tal qual o do bestial Jesus. Sua atuação como primeiro homem do meio de campo foi tão notável que a posição ficou eternizada, aqui, com seu sobrenome. Volante, ou seja, médio-volante, é sinônimo em todo o Brasil de médio-apoiador.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO”
Albino Castro é jornalista e historiador