A requisição pelo presidente do STF de relatórios do BC e da Receita sobre 600 mil contribuintes só tem paralelo na montagem pelo PT de um mega banco de dados na CPMI do Banestado.
Defensores da mega investida de Dias Toffoli sobre dados sigilosos da Receita e do Banco Central, com a requisição de acesso a centenas de milhares de relatórios fiscais e bancários, tentam justificar o arrastão com uma teoria da conspiração. A montanha de dados serviria para revelar o cenário no qual todas as autoridades públicas, incluindo ministros do STF e de outros tribunais, todos os detentores de mandatos e cargos no Executivo e no Legislativo, teriam virado alvo de devassas por tabelinhas entre os orgãos estatais de controle, o Ministério Público e a Polícia Federal. Tudo ao arrepio da lei e do controle judicial.
Na mesma linha de raciocínio, eles dizem que Dias Toffoli, em vez de bisbilhotar a República, vai se valer, no plenário do STF, na sessão marcada para a quarta-feira, de exemplos pinçados desses dados para reforçar a tese de Gilmar Mendes de que, a partir da Operação Lava Jato, os órgãos de controle e de investigação passaram a driblar o Judiciário. Mesmo quando atuaram sob a tutela de juízes. É uma tese com muitos furos.
A começar pela exagero nas exigências de Toffoli ao Banco Central e à Receita Federal, informações sobre nada menos que 600 mil contribuintes. Depois que os dois órgãos vazaram a inusitada requisição e o BC gerou uma senha para identificar todo e qualquer acesso ao banco de dados pela equipe de Toffoli, o presidente do STF tentou sair pela tangente. Disse que pediu, recebeu, mas não viu. Simples assim.
Desde a redemocratização do país, consagrada na Constituição de 1988, só há um precedente para tentativa de acesso igual aos gigantescos bancos de dados sigilosos da Receita e do Banco Central. Em 2004, quando Toffoli era sub-chefe da Casa Civil para Assuntos Jurídicos, o então ministro José Dirceu, seu chefe direto, tentou um arrastão semelhante. Orientou o deputado José Mentor, relator da CPMI do Banestado, a promover a maior coleta de dados sigilosos da Receita e do BC da história. Grande parte por subterfúgios à revelia da própria comissão parlamentar.
Assim chegaram à CPI, entre outras coisas, 32 caixas com 85 mil páginas de movimentação bancária no extinto MTB Bank, por onde passou uma evasão de divisas a partir do Brasil de cerca de US$ 35 bilhões. Nas inúmeras requisições feitas por José Mentor, havia o pedido de dados ao Banco Central de cerca de 400 mil operações, entre 1999 e 2002, nas então famosas contas CC-5, uma brecha aberta pelo próprio BC durante o governo Fernando Henrique.
Nesse mesmo embalo, José Mentor requisitou da base da dados da Receita os nomes e outras informações de todas as empresas estrangeiras que tivessem participação em empresas nacionais. E ainda a quebra dos sigilos fiscais e bancários de todos os donos e executivos das principais instituições financeiras do país, sem nenhuma justificativa.
Boa parte dessa montagem de um mega banco de dados só foi exposta quando começaram a pipocar denúncias de gente que se dizia chantageada por supostos emissários de José Mentor. Abria-se ali o caminho para uma longa história que passou pelo Mensalão e desembocou na Lava Jato. Para mais detalhes, é só cruzar no Google José Mentor com Marcos Valério. Há ali um farto material.
Quando o arsenal montado por Mentor na CPMI do Banestado foi descoberto, o então todo-poderoso ministro José Dirceu procurou os tucanos para propor um acordo. Numa reunião na casa de Tasso Jereissati, com a participação, entre outros, de Arthur Virgílio, José Dirceu disse que tinha total controle sobre José Mentor, seu homem de confiança. Segundo presentes nessa reunião, Dirceu se propôs a segurar Mentor desde que os tucanos fizessem o mesmo com o senador Antero Paes de Barros, presidente da CPMI. Na realidade, José Dirceu tentou trocar o que não tinha pelo que temia.
Desde o escândalo Waldomiro Diniz, operador por décadas de José Dirceu, inclusive no que virou depois o escândalo do Mensalão, Antero e Arthur Virgílio miraram no chefe da Casa Civil, então capitão do time de Lula. A moeda de troca, como a quebra de sigilo dos banqueiros e executivos dos principais bancos do país, soou apenas como ridícula. O tal mega banco de dados não surtiu nenhum efeito.
Na quarta-feira, Toffoli tentará explicar a seus colegas, alguns mal impressionados com suas decisões, a razão de montar um Big Brother no STF. Até porque ele legalmente já existe nos órgãos estatais de controle com o Cadastro das Pessoas Politicamente Expostas (PPE), criado em 2006, para combater a corrupção e a lavagem de dinheiro nas elites política, burocrática e empresarial do país. Ao adotar esse monitoramento, o Brasil se alinhou aos principais países democráticos que seguem as recomendações do GAFI, o grupo de ação financeira contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Os parceiros do Brasil nesse organismo multilateral estão avaliando, se a partir da canetada de Toffoli que suspendeu todos os procedimentos investigatórios baseados em relatórios de órgãos oficiais de controle, sem prévia autorização judicial, o país estaria abandonando seu compromissos internacionais no combate à corrupção.
Não são os únicos de olho. A opinião pública brasileira e suas instituições também querem saber qual é o limite do STF em sua agenda de retrocessos no combate à corrupção.
A conferir.
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