Ele propõe, em síntese, a superação do primitivismo nos campos econômico, educacional e político, com a implementação de inovações institucionais para criar “uma democracia de alta energia”.
Polêmico, o filósofo Mangabeira Unger continua sendo dos pensadores mais instigantes da atualidade.
Sua entrevista, na Folha de ontem, é um belo roteiro para um projeto de país, rompendo com os paradigmas existentes e que, não enfrentados, acabaram jogando o país nas mãos de Bolsonaro.PUBLICIDADE
No governo Lula, ele desempenhava um papel interessante. Não tinha nenhuma função operativa. O que fazia era avaliar as diversas políticas públicas e compor com políticas escolhidas um projeto de país. Desenhando o todo, e um todo bastante original e em conformidade com as características culturais do país, cada ator político, cada gestor público passava a ter ideia do seu papel no desenho final.
Foi assim que ajudou a catapultar as ideias do Plano Nacional de Defesa, o conceito da Amazônia Azul, captou bem os mecanismos de disseminação do conhecimento por pequenas e micro empresas.
Não diria que seu trabalho foi em vão, mas o conceito de Nação nunca penetrou nos governos brasileiros pós-redemocratização. Em Fernando Henrique Cardoso, por não se interessar por projetos de Nação. FHC sempre foi um político superficial, encantado com as lantejoulas do poder, mas sem nenhuma ambição de transformar o país. O que apreciava era as disputas políticas do seu Palácio de Versalhes, que ele já praticara no ambiente egotrip dos salões.
Lula levantou a bandeira da redução da miséria, em um trabalho reconhecido mundialmente. Mas a luta incessante pela governabilidade o afastou da ideia de projeto nacional e de redesenho institucional do país. Tentou remendar séculos de desigualdades com as ferramentas tradicionais. O modelo não resistiu ao fim do ciclo dos commodities.
No PT, a única liderança com projeto de país era José Dirceu, mas com a megalomania corrosiva que persegue todos os recém chegados ao baile principal.
Em alguns parcos momentos de tranquilidade, um ou outro dirigente ousava a bandeira do catching up – isto é, de políticas públicas capazes de cortar caminho em relação ao que foi percorrido por países desenvolvidos. Mas o imediatismo, a luta política diuturna, impedia qualquer ação mais continuada.
Não faltaram belíssimas tentativas de integração. Como as políticas em parceria coma ABIC (Associação Brasileira da Indústria da Construção), juntando bancos de dados da Bolsa Família com o Pronatec e, depois, tentando amarrar a nova mão de obra em grandes projetos do PAC.
Houve também tentativas virtuosas de parceria com a CNI (Confederação Nacional da Indústria) em projetos de tecnologia, casando problemas imediatos da indústria com pesquisas acadêmicas em rede. Assim como o Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a mais bem concebida política industrial do país pós-redemocratização.
Mas, ainda assim, eram iniciativas isoladas, que não estavam na alma do governo.
Em sua entrevista, Mangabeira faz a crítica correta ao modelo lulista, reconhecendo seus méritos e suas fragilidades, e ao desmonte pós-impeachment, com o liberalismo selvagem de Paulo Guedes.
Sobre Lula
“Não se conduzir de forma a sugerir que ele prefere perder o poder para a direita a perder a hegemonia na esquerda”. Acertou na mosca. Este é o grande dilema político de Lula e do PT.
Sobre o modelo de centro-direta
Propõe que o investimento estrangeiro seja canalizado para a infraestrutura. E quer aumentar pouco a pouco a qualidade do ensino no sentido mais convencional, que é a aplicação de um paradigma empresarial à gestão das escolas, com meritocracia e padrões de desempenho.
Sobre risco Bolsonaro à democracia
“Aí eu vou fazer Justiça a ele: ele não é o único. Temos o Judiciário avançando sobre prerrogativas legislativas, cada Poder querendo ser o outro Poder. Como o Brasil perdeu o caminho e a frustração se generaliza no país, começam a buscar essas soluções de araque, e cada um fingir que é o outro”.
Sobre o laranja Bolsonaro
Em geral, como a elite brasileira não consegue fazer com que o povo eleja um presidente que organicamente encarne esse ideário, seus membros buscam um laranja para representá-los. Um banqueiro com doutorado em economia não vai se eleger presidente da República. A elite não consegue que a maioria das pessoas vote nele, então tem que arranjar um laranja. Para que o laranja seja eleito e entregue o poder de fato ao banqueiro e ao tecnocrata.
Sobre o projeto autoritário da direita
Por trás desse sonho da elite há uma manipulação autoritária que desrespeita o nosso povo. E existe um conteúdo totalmente errado, que não nos tirará da estagnação. Estamos de joelhos, estamos afundando. O risco não é o fascismo, o autoritarismo; o risco é a perpetuação da mediocridade.
As propostas
Ele propõe, em síntese, a superação do primitivismo nos campos econômico, educacional e político, com a implementação de inovações institucionais para criar “uma democracia de alta energia”.
Seu diagnóstico sobre cada ponto é certeiro.
Sobre o primitivismo econômico
O primitivismo econômico é a baixíssima produtividade do trabalho. O mundo dos emergentes, com as pequenas e médias empresas, vive numa retaguarda tecnológica, sem os instrumentos de crédito e, sobretudo, de conhecimentos avançados, que traduzam esse dinamismo empreendedor em produtividade, em vanguardismo.
Sobre o primitivismo educacional
O primitivismo educacional aparece quando vemos que a nossa educação continua historicamente vidrada em um dogmatismo doutrinário e em um enciclopedismo raso. É um modelo que briga com os pendores do brasileiro. O Brasil é uma grande anarquia criadora. Mas, em vez de burilarmos essa anarquia, tentamos suprimi-la, colocando-a dentro da camisa de força desse ensino retrógrado.
O Brasil, com sua grande anarquia criadora, oferece a matéria-prima humana para construir uma economia do conhecimento aprofundada e inclusiva. É possível usar instrumentos que o Estado brasileiro já tem, como Sebrae, Senai, bancos públicos, Embrapa.
Sobre o primitivismo político
E o primitivismo político é reflexo do fato de que não construímos as instituições de uma democracia de alta energia, que eleve o grau de participação popular organizada, supere rapidamente os impasses entre os Poderes por mecanismos institucionais próprios e aproveite o potencial experimentalista do regime federativo, para permitir a partes do país construir outros modelos.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)