Marielle no Rio e Claudia López em Bogotá são dois símbolos da mesma luta para purificar a política e combater as diferenças sociais e a defesa de todas as minorias ameaçadas e perseguidas
A jovem ativista de direitos humanos, que era considerada “filha da favela” no Rio de Janeiro, a vereadora assassinada Marielle Franco, continua viva e simbolicamente reencarnada em Claudia López, a jovem prefeita recém-eleita da linda cidade de Bogotá, a capital da Colômbia, com cerca de 9 milhões de habitantes.
Já havia escrito em outra coluna que Marielle continua viva e que morta está sendo um perigo maior do que em vida para os políticos corruptos. E hoje a vitória em Bogotá da jovem Claudia López parece uma espécie de ressurreição da brasileira, pois não poderia haver duas pessoas mais parecidas. Ambas mulheres, lésbicas, saídas de uma família humilde, viviam sua diversidade sexual com alegria e sem medo e conviviam felizes com suas companheiras. Ambas dedicadas à cruzada contra a corrupção política que as cercava. As duas sem medo dos inimigos que as perseguiam. Eram os mesmos inimigos. Marielle foi assassinada por sua batalha contra as milícias incrustadas no Estado. Claudia, a ex-senadora, teve de viver um período no exterior, ameaçada e perseguida por seu trabalho em desmascarar as alianças entre paramilitares do narcotráfico e políticos locais.
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Marielle ontem no Rio e hoje Claudia em Bogotá são dois símbolos vivos da mesma luta para purificar a política e combater as diferenças sociais e a defesa de todas as minorias ameaçadas e perseguidas pelo único pecado de quererem ser fieis à sua identidade.
Ambas devem o que são ao esforço nos estudos. Marielle e Claudia conseguiram chegar à Universidade e se formar, uma socióloga e outra especialista em Ciência Política, graças às ajudas sociais. Marielle, negra em um Brasil em que isso também é um duro custo extra, emergiu da pobreza como Claudia, filha de uma professora primária. As duas davam medo ao poder porque, como Claudia disse ao saber de sua vitória ontem, as pessoas escolheram mais do que uma política, uma “história de vida”. Ambas davam medo por serem mulheres e diferentes. “Escolheram uma mulher depois de séculos de liderança de políticos homens”, comentou.
O fato de serem diferentes dava medo aos políticos, enquanto foram os jovens, com Marielle e Claudia, os que melhor compreenderam sua vocação de mudança e votaram nelas. Hoje, Marielle, se não tivesse sido eliminada pela violência machista, também poderia cogitar ser prefeita da mítica cidade do Rio. E foi certamente isso que assustou seus carrascos, que preferiram eliminá-la antes.
Claudia havia prometido aos seus eleitores em Bogotá que, se eleita, poderiam ter certeza de que cada centavo público seria tratado “como sagrado” e que governaria para “todos sem distinção”. Ambas as mulheres estavam cientes de que o dinheiro público era principalmente dos menos favorecidos, daqueles que não tiveram a sorte de estudar e abrir caminho na vida.
E eram e são duas mulheres que, em vez de dividir, agregam, acolhem, confraternizam, não condenam, exceto a crueldade que se enriquece com o dinheiro dos que mais trabalham e menos ganham. Claudia, eleita, afirmou: “Quando escolhemos o que nos une, não apenas ganhamos, mas mudamos a história.” Esse desejo de mudar a cidade do Rio, tão bela e cheia de vida e de cultura, para arrancá-la das garras daqueles que a sequestraram e saquearam, não a dividindo ainda mais, mas agregando a ela a coragem e o esforço de todos, que é o que certamente custou a vida a Marielle. Os corruptos e aproveitadores nadam melhor nas águas da divisão e das diferenças. Claudia disse que “mudança e igualdade são inseparáveis”. Falar de nova política, de mudanças, fechando os olhos para a cruel desigualdade que aflige nossas sociedades, é o tremendo engano de todos os populistas.
A nova prefeita de Bogotá, em clima de festa, mas consciente da responsabilidade que tem hoje, adiantou: “Recebo o trabalho e a luta de muitas gerações”. E disse isso enquanto os chilenos saíram às ruas para dizer aos governantes que não aceitam “mudança” que não signifique luta contra as desigualdades, que cria sociedades separadas em guetos, que não há felicidade ou tranquilidade sem que o que a nação produz seja compartilhado com justiça e equidade e possa chegar à mesa de todos.
Mulher e política agregadora, e não submissa, a nova prefeita de Bogotá foi tachada pelo poder que a teme de “grosseira e gritona”. Ela respondeu calmamente que “contra a corrupção só se pode gritar”. Ela gritou e os seus, especialmente os mais jovens, aqueles que votavam pela primeira vez, lhe deram seu voto em bloco. As redes sociais de Bogotá dizem que o que a fez ganhar milhares de votos desses jovens foi sua liberdade de espírito para aparecer em público, alegre e sorridente, beijando na boca sua companheira de vida, a senadora Angela Lozano. Conquistou os mais jovens também pelo fato de a candidata ter pedido uma reforma para “reduzir o salário dos congressistas e que os condenados por corrupção fossem presos e não pudessem voltar a trabalhar para o Estado”.
Quando mais jovem, Claudia também trabalhou como jornalista. Foi um choque quando foi expulsa do El Tiempo porque em sua coluna semanal se permitiu criticar o jornal em que escrevia. Esse seu espírito de liberdade e de fidelidade à própria consciência é o que, como aconteceu com Marielle, infunde nos jovens mais simpatia e respeito, especialmente naqueles que ainda não foram contaminados pelo veneno do vulgar compromisso político ou da corrupção.
Que como Marielle no Brasil e Claudia na Colômbia, saibamos oferecer aos mais jovens, donos do futuro, um novo espírito de responsabilidade pública e de defesa dos que o frio liberalismo está deixando abandonados na pobreza e no esquecimento, enquanto protege os mais privilegiados. Que Marielle continue a reencarnar em novas lideranças políticas capazes de criar um mundo em que ninguém tenha de sofrer e morrer vítima da injustiça dos satisfeitos.
JUAN ARIAS ” EL PAÍS” ( ESPANHA / BRASIL)