CHARGE DE NANI
Desde esta terça-feira 29 à noite o país entrou em fervura. Passou dos 100º a temperatura no meio político, com as revelações do porteiro do Condomínio “Vivendas da Barra”, no Rio, onde mora o presidente Jair Bolsonaro. No depoimento, divulgado pelo Jornal Nacional, o funcionário diz que Élcio de Queiroz, um dos acusados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, e do seu motorista, Anderson Gomes, comunicou, na portaria, que iria à casa do presidente, a de número 58. Em seguida, dirigiu-se para a casa de número 66, onde mora o seu comparsa e possível atirador, Ronnie Lessa. Mas veio do número 58 o sinal verde para que ele entrasse.
A notícia sobre a veiculação da reportagem chegou a Riad, na Arábia Saudita, onde se encontrava Bolsonaro, às 3h50 da madrugada. Como se ligado à eletricidade, Jair vestiu um terno, que nada combinou com o seu discurso. Sua fala cairia melhor nos afeitos aos usuários de pesados cordões de ouro e “camisa aberta ao peito”. Perde-se a conta de quantas vezes ele tirou e colocou os óculos, sem esconder o nervosismo e a irritação. Nunca vimos um presidente soltar um “porra” em público, em missão oficial. “Canalhas”, “patifes”, foram impropérios do tipo sessão da tarde, perto de tudo o mais que expeliu.
Em sua defesa, tem a comprovação em vídeo, de que neste dia estava em Brasília, em funções parlamentares. Em desfavor, a tecnologia, com suas inúmeras possibilidades, inclusive a que hoje permite à distância, por celular, dar a tal permissão de acesso à sua casa.
Socou a mesa, usou palavrões, fez ameaças à TV Globo, autora da denúncia, em horário nobre. Bolsonaro saiu de si e deixou escapar que conhece muito bem o processo de Marielle, – que corre em segredo de Justiça -, ao citar que o depoimento do porteiro não está em planilha, mas sim contido no inquérito. Colocando a carroça na frente dos bois, puxou para o discurso os filhos. Principalmente Flávio, o mais citado, envolvido no caso das “rachadinhas”. Foi excessivo. Em grosserias, em nervosismo, em suas falas. Foi paranoico. E, mais que isto. O seu tom foi tão além do necessário, que esbarrou no limite do que deveria chegar mais adiante, quando a pressão for maior. Jair esgotou a prerrogativa da irritação.
Tivesse uma boa assessoria, e teria deixado para falar pela manhã, em tom mais calmo. Poderia ter apenas exposto as contradições dos horários, e dito que esperaria o decorrer das investigações. Mas não. Sua atitude foi a de quem está contra a parede e tenta subir num muro escorregadio. Passou o desespero dos acuados.
E há muito a decifrar. No dia primeiro de abril de 2019, Moro, ao sentir o cheiro de óleo da fritura a que seria submetido, plantou nota na coluna do Ancelmo Gois (conforme já escrevi aqui), onde avisava para quem interessar pudesse – e por que não o presidente da República? – de que tinha a história completa sobe a morte de Marielle, em sua gaveta. Ninguém cobrou, ninguém foi atrás, mas o recado chegou e Moro, na linha do pênalti, foi mantido no cargo. Alguma dúvida de que Bolsonaro teve acesso ao conteúdo?
Em 9 de outubro o governador do Rio, Wilson Witzel, antecipou ao pé do ouvido de Jair, num compromisso social, no Clube Naval, toda a denúncia do porteiro. Viagens presidenciais dão trabalho no preparo, mas certo é que Bolsonaro 10 dias depois estava baixando no Japão com grande comitiva. Até Marcos Feliciano foi!
Assistiu os queixumes de Fabrício Queiroz vir a público, em gravações vazadas para a imprensa, deixando transparecer algo de podre na apuração e na “proteção” a Adélio Bispo, o autor da facada que Bolsonaro fez questão de misturar com a espuma de sua saliva, no discurso destemperado no bico da madrugada, em Riad.
De lá, soltou um filmete tão tosco quanto costumam ser os seus posts, sentindo o pulso dos seus adeptos e das Forças Armadas, para um golpe. Um leão abandonado e acuado (tal como está agora) por “hienas” (todas as instituições), pede socorro ao “conservador patriota”, – leia-se “o povo” ou a turma para a qual governa. Levou um puxão de orelhas do ministro do STF, Celso de Mello, e nenhum “talquei” dos militares. Mesmo assim, Eduardo Bolsonaro, à noite, vociferou na Câmara com a ameaça de um retorno ao passado. Aquele, onde moram as ideias fixas do presidente.
Tudo nos conformes. Fora do país, já ciente do “cometa” que o esperava por aqui, orquestraria o endurecimento do regime. Ao retornar, nada colaria nele. Às favas com as denúncias. Afinal, ditador só responde à própria consciência, se é que costumam ter uma. Deu errado. Acirrou o STF, para onde deverá ir a investigação a respeito de sua participação nesse imbróglio. Enfrentará um Supremo mais enfezado, embora tenha no presidente, o ministro Dias Toffoli, o aliado que evitou sua queda na largada do governo. E, não vamos esquecer, o submisso ministro da Justiça, Sergio Moro, já a postos para os trabalhos “menores”.
DENISE REIS ” BLOG 247″ ( BRASIL)