Gravação de Queiroz foi anterior à canetada de Toffoli que suspendeu as investigações sobre a Rachadinha de Flávio Bolsonaro. A Rachadinha de Carlos Bolsonaro, que controla o Twitter do pai, ficou fora do guarda-chuva do STF
Até agora nada parece abalar a trégua na cúpula entre os poderes em Brasília. Nem as gravações mal explicadas de monólogos de Fabrício Queiroz, com suas ameaças veladas ou explícitas, e nem os inacreditáveis ataques ao STF e a outras instituições no Twitter do presidente Jair Bolsonaro, postados por seu filho Carlos Bolsonaro.
Nas contas do establishment, o combinado continua saindo mais barato. Segue, portanto, de vento em popa o acordão entre as elites políticas, com o aval dos presidentes Dias Toffoli, Rodrigo Maia e Bolsonaro, para barrar a Lava Jato e outras investigações sobre corrupção política país afora.
O vídeo divulgado ontem à tarde em que Jair Bolsonaro aparece como um leão cercado de hienas — partidos, imprensa, ongs, CNBB, ONU e STF, entre outras entidades — ficou no ar durante cerca de duas horas no twitter presidencial antes de ser apagado. Foi mais ou menos um repeteco, muito mais agressivo, do que o post para pressionar o STF que foi publicado e apagado pouco antes da sessão do tribunal para julgar em que instância judicial condenados podem começar a cumprir a pena.
Da outra vez, Carlos Bolsonaro pediu desculpa por ter publicado o tal tuíte em nome do pai. Até essa madrugada, ele ainda não havia passado recibo pela paródia de mau gosto de uma cena do filme Rei Leão.
No entorno do clã Bolsonaro, dúvida alguma sobre a autoria de Carlos Bolsonaro, o Carluxo. O que ainda fica no ar é a sua motivação para incluir o STF no rol das hiena. O explosivo desabafo de Fabrício Queiroz, personagem central nos escândalos sobre a Rachadinha e o envolvimento com as milícias no Rio do hoje senador Flávio Bolsonaro, é autoexplicativo. “É o que eu falo, o cara lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mexer nada para tentar me ajudar… Ver e tal… O MP tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir”.
Se fosse gravado hoje, Fabrício Queiroz certamente não repetiria a mesma queixa. Em 15 de julho, em pleno recesso do STF, o presidente Dias Toffoli acatou um pedido de Flávio Bolsonaro e mandou suspender todas as investigações e ações penais baseadas em relatórios do Coaf, da Receita Federal e do Banco Central sem prévia autorização judicial. Até ali elas eram autorizadas pelo tribunal. Foi uma pancada.
De acordo com levantamento da Procuradoria-Geral da República, a canetada de Toffoli paralisou cerca de 700 investigações, entre elas o Caso da Rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em que Queiroz e Flávio Bolsonaro são investigados. Toffoli promete submeter sua liminar ao pleno do Supremo em novembro.
Toffoli tem dito a interlocutores que a tendência do tribunal é atribuir a decisão sobre cada investigação ou ação penal com base nos relatórios dos órgãos de controle aos juízes do caso. Entre os parceiros do acordão, a convicção é de que o Caso Flávio Bolsonaro não volta para a Justiça no Rio. É tudo o que seu pai presidente quer. E Queiroz reclama.
O problema é que o Ministério Público abriu duas investigações sigilosas sobre outro caso de rachadinha, que teria ocorrido no gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal do Rio. Estão sendo investigadas as nomeações de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e de outros seis funcionários, alguns sob suspeita de serem fantasmas. Como os procedimentos não se basearam em relatórios do Coaf, o guarda-chuva da decisão de Toffoli não abriga Carlos Bolsonaro.
O vereador Carlos Bolsonaro, com antigas pendengas por ter se sentido preterido em outras ocasiões pelo primogênito Flávio, estaria mais uma vez incomodado. Ele é explosivo e tem o gatilho do Twitter do presidente Bolsonaro na mão.
Em alguns poderosos gabinetes em Brasília, inclusive no Supremo, chegou a se avaliar que talvez fosse melhor ignorar essa nova “travessura” atribuída a Carlos Bolsonaro. Prevaleceu a necessidade de dar um basta a esse tipo de agressão com um puxão de orelha no presidente Bolsonaro. A tarefa coube ao decano Celso de Mello: “A ser verdadeira a postagem feita pelo Senhor Presidente da República em sua conta no `Twitter`, torna-se evidente que o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um Chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções”.
As elites políticas até fingem incômodo. Aparentam constrangimento com a sucessão de agressões, gafes e escândalos na cozinha dos Bolsonaros, mas no fundo estão satisfeitas. A cada pisada na bola, Bolsonaro se torna mais igual, parceiro compulsório na luta para esvaziar as investigações sobre corrupção. Só assim ele assegura uma salvo conduto para a sua família. Enquanto assim se mantiver, será poupado. É a República Avestruz.
A conferir.
ANDREI MEIRELES ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)