Está ficando a cada dia mais claro que o capitão-presidente, com suas agressões à democracia, às instituições, aos vizinhos e até à ONU, está querendo reeditar o golpe militar de 1964, do qual sente tantas saudades.
A única crítica que fez até agora à ditadura indica o que ele pode provocar em seus delírios: Bolsonaro lamentou que os militares não tenham matado pelo menos 30 mil “inimigos”.
Falou isso da tribuna da Câmara, nos anos 1990, e ameaçou de morte o então presidente, Fernando Henrique Cardoso.
Deputado folclórico do baixo clero, na época ninguém lhe deu bola, mas agora ele pensa as mesmas coisas, e é o presidente da República.
Nos últimos dias, completamente fora de controle, Bolsonaro está avançando todos os sinais, em desabalada carreira rumo a um autogolpe, para implantar de vez aqui uma ditadura sem disfarces.
O que falta ainda?
Com seu séquito de ressentidos, frustrados e vingadores, cada vez mais isolado, aqui dentro e lá fora, o ex-capitão afastado do Exército aos 33 anos está procurando uma guerra, interna ou externa, qualquer uma, tanto faz, para colocar suas tropas nas ruas, como tem ameaçado, depois das revoltas populares no Chile e no Equador.
E o que nós podemos fazer para conter essa insanidade?
Na noite desta segunda-feira, tive a oportunidade de participar de um debate com o professor Thomás Zicman de Barros, de passagem pelo Brasil, a caminho do Chile.
Economista e doutorando em Teoria Política na Sciences Po Paris, Barros fez palestra sobre “Movimentos de indignação pelo mundo, nas redes e nas ruas”, para uma confraria de escritores reunidos na Livraria Zaccara, nas Perdizes.
Depois de fazer uma breve viagem pelas revoltas populares que se multiplicaram pelo mundo nos últimos tempos, desde a Primavera Árabe, passando pelos Estados Unidos, França, Reino Unido, Oriente Médio, até chegar agora à América Latina, o professor mostrou que cada movimento teve causas diferentes, mas quase todas geradas pelo descontentamento das populações com a alta no custo de vida, o aumento do desemprego, a má qualidade dos serviços públicos e a falta de esperança.
Como pano de fundo em comum, lembrei eu, essas explosões dos indignados são consequência de uma crescente concentração de renda e da chaga da desigualdade social provocadas pelo neoliberalismo, separando o mundo entre poucos bilionários e milhões e milhões de miseráveis, refugiando-se nos países ricos, em busca de um lugar para sobreviver.
Os deserdados estão perdendo a paciência, o copo foi enchendo, e qualquer motivo pode ser a gota´água, arrisquei dizer.
As populações locais sentem-se ameaçadas pela concorrência na disputa por empregos e um lugar no metrô.
De uma hora para outra, multidões ocupam as ruas contra o poder constituído, quase sempre sem lideranças visíveis, sem saber o que colocar no lugar de regimes que não lhes servem mais.
Por aqui, não vemos no momento nenhum movimento organizado para contestar o poder do capitão, mas ele próprio está em busca de um estopim para deflagrar a guerra.
A divulgação no mesmo dia do inacreditável vídeo do leão enfrentando as hienas acendeu o sinal vermelho: um confronto pode estar mais próximo do que se imagina.
No papel de rei dos animais, neste filme o intrépido capitão parte para cima do STF, dos partidos políticos e da imprensa, até aparecer um outro leão, chamado “conservador patriota”, para ajudá-lo a enfrentar todos os inimigos, reais ou imaginários, que possam aparecer na sua selva tomada por hienas.
O vídeo logo foi retirado do ar, não apareceu o responsável pela sua rica produção, Bolsonaro assumiu a responsabilidade e pediu desculpas só ao STF.
O único ministro a se indignar no Supremo foi o decano Celso de Mello, que soltou uma nota irada, em que afirma: “O atrevimento presidencial parece não encontrar limites”.
Não encontra mesmo, enquanto o próprio STF e as demais instituições agredidas não derem um basta ao celerado, que declarou guerra ao mundo, sem saber o que fazer com seus filhos e o Queiroz, ainda soltos por aí, debochando de todos nós.
Por coincidência, abro o jornal de manhã e dou de cara com um assustador título na coluna de outro professor, o filósofo Joel Pinheiro da Fonseca, na Folha:
“Bolsonaro planeja um golpe de Estado?”
Minha resposta é sim, mesmo que a maioria das pessoas duvide que o capitão seja capaz de planejar qualquer coisa, além da rápida, acelerada e total destruição do país e das suas instituições. .
“Será que existe um plano concreto de ruptura institucional e supressão das liberdades democráticas do país?”, indaga Fonseca.
Com plano ou sem plano, é para isso que estamos caminhando a passos largos.
Qualquer faísca pode deflagrar a guerra que Bolsonaro tanto está procurando, desde a sua campanha eleitoral.
Sem nenhum programa de governo viável apresentado até agora, é ele quem está jogando no quanto pior, melhor.
Sim, respondendo à minha pergunta do título desta coluna: Bolsonaro quer provocar aqui também a revolta dos indignados.
Resta saber apenas qual será o estopim, mas é inevitável.
Sexta-feira ele volta ao Brasil de viagem pelo mundo, com seu partido conflagrado, a economia e o Congresso paralisados, e o super-ministro Moro cortando o cafezinho no seu ministério para fazer economia.
Apertem os cintos, vem chumbo aí.
Vida que segue.
RICARDO KOTSCHO ” BALAIO DO KOTSCHO” ( BRASIL)