O JORNALISMO NOS ESTADOS UNIDOS LUTA POR SOBREVIVÊNCIA NA ERA DA PÓS-VERDADE

Asfixiamento de redações, com demissões de jornalistas e fechamentos de jornais, ocorre com perda crescente de credibilidade da imprensa, uma das palavras de ordem do discurso Trump, alimentada pela poderosa arma das redes sociais

Jornal GGN – A era de Donald Trump nos Estados Unidos significou uma guerra sem quartel contra os meios de comunicação tradicionais.

Em meio a este cenário, é de se estranhar que o The Washington Post traz como uma de suas manchetes deste mês uma crítica à Amazon, cujo sócio-controlador, Jeff Bezos, é o mesmo que adquiriu recentemente o The Post. “Vendedores da Amazon afirmam que a gigante do varejo online está tentando ajudar a si mesma, não a consumidores”, é o título da reportagem de Jay Greene, que fala em “possíveis violações da lei antitruste” pela Amazon e “por abusar do poder do mercado”.

A luta pela liberdade de imprensa no país que se auto-intitulou o criador da liberdade de imprensa é hoje uma estratégia de sobrevivência, posta a prova pelas incessantes investidas de Donald Trump contra os jornais, e com estímulos às chamadas Fake News desencadeadas pelas redes sociais que o elegeram.

A compra do Post por Jeff Bezos, dono da Amazon, há 6 anos, representou a retomada do periódico para o seu melhor momento. A jornalista Daniela Pinheiro da Piauí, que cobriu as eleições de 2016 dos Estados Unidos, assim descreveu a aquisição do Post por Bezos, juntamente com Martin Baron no comando do jornal: “Dinheiro, faro jornalístico e o prestígio de uma marca centenária fizeram do Post uma exceção. Ao contrário do resto da imprensa que passava por demissões coletivas e fechamento de escritórios, o jornal aumentou o número de funcionários em 30%. No último ano, chegou a ultrapassar o New York Times em acessos pela internet. Foi laureado como a publicação mais inovadora do mundo pela Fast Company (…) e também colecionou quatro prêmios Pulitzer.”

A vitória de Trump, nas eleições presidenciais, mudou o quadro. Entrou-se na era do “jornalismo pós-Trump”, com o uso recorrente das redes sociais para impor sua pós-verdade. As redes sociais ganham maior espaço e relevância, mostrava o Le Monde Diplomatique, no artigo “Metamorfoses da mídia norte-americana“, de agosto de 2017, sobre a situação do jornalismo nessa era da pós-verdade.

Logo na estreia de seu mandato, Trump mirou sua bateria no Washington Post e no New York Times. Com os tweets “AmazonWashingtonPost” e “TheAmazonPost”, Trump alimentou o discurso de que o diário servia aos interesses do grupo econômico de Bezos e, assim, era parcial e não suscitaria confiança da população.Leia também:  Como democratizar a economia digital e evitar o feudalismo digital, por Mariana Mazzucato

A ameaça foi além do mero tweet que se alastrou e o presidente dos EUA chegou a ameaçar o proprietário dos negócios com a possível abertura de uma investigação do governo norte-americano antitruste com mira na Amazon, para intimidar diretamente Bezos,

Não apenas eles. A CNN também entrou para a lista de “inimigos” da Casa Branca, quando o jornalista Jim Acosta foi banido de coletivas por suas matérias que criticavam Trump. A justificativa do mandatário para impedir o ingresso do repórter na Casa Branca era que se tratava de uma “pessoa grosseira, terrível”.

Trump criticando o correspondente da CNN Jim Acosta, banido da Casa Branca

A assessora de imprensa de Donald Trump passou a se valer do Twtter para atacar jornalistas, proibiu que repórteres viajassem no seu avião durante a campanha, confiscou credenciais de quem não gostava. Era um quadro tão insalubre que a agência Deutsche Welle decidiu premiar a Associação dos Correspondentes da Casa Branca (WHCA) com o título “Freedom of Speech” (Liberdade de Expressão) em 2017.

“Liberdade de imprensa nos Estados Unidos não é algo garantido, apesar da proteção prevista na Constituição”, narrava à época o diretor-geral da DW, Peter Limbourg, na cerimônia de entrega do prêmio, em referência ao trecho sobre liberdade de expressão e de imprensa nas dez emendas que integram a Carta dos Direitos da Constituição de 1791. “Temos de permanecer vigilantes para assegurar que essas liberdades persistam, não importa quem esteja no poder em Washington”, acrescentou, ressaltando a importância da Associação na supervisão do poder Executivo.Leia também:  Drogas: Por que não legalizar?, por Rômulo de Andrade Moreira

O documento do instituto Gallup e da Fundação Knight revela que a confiança na mídia pelos estadunidenses caiu de 54%, em 2003, para 41% em 2017 e 33% no ano passado, quando foi feita a pesquisa. “A confiança na mídia nos Estados Unidos está se erodindo, fazendo com que seja mais difícil para as empresas de notícias cumprir suas responsabilidades democráticas de informar o público e fazer com que líderes do governo prestem contas de suas ações”, constatou o relatório.

Pesquisa AMERICAN VIEWS: TRUST, MEDIA AND DEMOCRACY, da Knight Foundation

Ainda de acordo com a pesquisa, 66% dos norte-americanos acreditam que os meios de comunicação não fazem um bom trabalho de separar notícias factuais e opinião, e conclui que “os americanos mais velhos tendem a ver a mídia mais positivamente do que os adultos mais jovens”. Por outro lado, a maioria dos estadunidenses acreditam que as Fake News são “uma ameaça muito séria à nossa democracia” e 76% deles admitem que a disseminação de informações imprecisas na Internet é “um grande problema na cobertura de notícias hoje”.Page 1 / 71Zoom 100%Page 1 / 71Zoom 100%

Da mesma forma, levantamento feito no ano passado pela Universidade da Carolina do Norte alerta para o aumento do fechamento de jornais nos Estados Unidos e, como consequência, a ampliação dos chamados desertos midiáticos, locais aonde não existem jornais regionais para informar a população. Desde 2004, foram aproximadamente 1.800 jornais locais que fecharam as portas.

A Pew Research Center também revelou que os hábitos de consumo de informação dos norte-americanos mudaram, porque hoje 64% afirmam se informar principalmente pelas redes sociais, como o Facebook. E, ainda, mais da metade dos entrevistados admitiu que “espera” que essas notícias não sejam 100% confiáveis, inexatas.

NEWSPAPERS FACT SHEET

A crise de credibilidade vivida atualmente pela imprensa no país não para por aí. Também houve uma queda drástica no número de jornalistas estadunidenses: se em 1990, havia 56.900 profissionais, em 2015 eram 32.900, de acordo com a Sociedade Americana de Editores de Notícias.Leia também:  Emissora de Edir Macedo veicula reportagem sobre suposta ligação entre ONG, PT e crime organizado

De acordo com dados da Pew Research, em 2018, a circulação total de jornais diários, incluindo imprensa escrita e digital, atingiu o nível mais baixo desde 1940. O último relatório mostrou que um quarto dos grandes jornais americanos demitiu funcionários em 2018, e a quantidade de jornalistas demitidos também foi maior do que o ano anterior.

5 KEY TAKEAWAYS ABOUT THE STATE OF THE NEWS MEDIA IN 2018

No lado digital, a pesquisa também detectou que os recursos de anúncios online associados à informação aumentou exponencialmente, mas a maioria do lucro recebeu Facebook e Google. E as demissões também ocorreram nestes tipos de veículos: 14% dos jornais digitais de maior tráfego sofreram cortes drásticos.

ABOUT A QUARTER OF LARGE U.S. NEWSPAPERS LAID OFF STAFF IN 2018

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É neste contexto que a crítica do The Washington Post à gigante do varejo Amazon, ambas pertencentes ao mesmo sócio-controlador, traz uma significação para além da visível defesa da liberdade de imprensa, revelando a própria luta pela sobrevivência dos meios de comunicação na era da pós-verdade e das Fake News.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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