Será elevada aos altares de todo o planeta neste próximo domingo, dia 13 de outubro, a primeira Santa nascida no Brasil, a Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes (1914 – 1992), de família de origem portuguesa, a legendária Irmã Dulce – também chamada por seus seguidores de O Anjo Bom da Bahia. Adotou o nome Dulce, de sua mãe, ao tomar os votos perpétuos, em 1933, após se formar professora primária, na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade sergipana de São Cristóvão.
Religiosa obstinada e de grande perseverança, devota do lisboeta Santo António, bateu-se, ao longo da vida, de maneira fervorosa, pelas populações carentes dos mais humildes bairros soteropolitanos e, a implorar doações, de porta em porta, da Cidade Baixa à Cidade Alta, chegou a construir, perto da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, um hospital ao qual batizou de Santo António, à Avenida dos Dendezeiros, que atende cerca de mil pacientes.
Irmã Dulce foi beatificada em 2011 pelo então Sumo Pontífice Bento XVI em reconhecimento ao milagre da recuperação de Cláudia Cristiane dos Santos, hoje com 49 anos, que havia sido desenganada devido a uma hemorragia durante o parto, em 2001, em Itabaiana, em Sergipe. Bento XVI, atualmente com 92 anos, renunciaria ao papado em 2013. Um outro milagre, a cura da cegueira de um músico baiano, José Maurício Bragança Moreira, de 50 anos, referendado no último dia 13 de maio pela Congregação para as Causas dos Santos, dicastério da Cúria Romana, canonizará a venerável Irmã Dulce.
Muito doce, entretanto, dona de forte carisma, foi, inclusive, a criadora, ainda nos anos 1930, do primeiro movimento em Salvador, vinculado à Igreja, voltado inteiramente à causa dos trabalhadores, o Círculo Operário da Bahia, que, de certa forma, rivalizava com as estruturas sindicais controladas, invariavelmente, pelo velho ‘Partidão’, ou seja, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja direção nacional possuía vários ativistas baianos, entre os quais, o celebrado Jorge Amado (1912 – 2001), escritor de clássicos da baianidade, como “Jubiabá” (1935), “Capitães de Areia” (1937), “Gabriela, Cravo e Canela” (1958) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1966).
E ainda outros combativos intelectuais militantes, como Carlos Marighela (1911 – 1969), líder da guerrilha urbana nos ‘anos de chumbo’ (1964 – 1984), Maurício Grabois (1912 – 1973), um dos idealizadores, em 1962, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Giocondo Dias (1913 – 1987), sucessor do gaúcho Luís Carlos Pestes (1898 – 1990), em 1980, na secretaria-geral do PCB, o médico Milton Cayres de Brito (1915 – 1985), o ideólogo Armênio Guedes (1918 – 2015), o jornalista João Falcão (1919 – 2011), fundador, em 1958, do arejado matutino Jornal da Bahia, o cientista social Jacob Gorender (1923 – 2013) e Mário Alves (1923 – 1970), que aderiu à luta armada contra o regime militar, criando o PCBR (sigla do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), morto sob tortura.
A religiosa tinha também uma paixão muito especial pelo futebol – como diversos contemporâneos do ‘Partidão’ na Bahia. Mas, ao contrário da maioria de seus conterrâneos, não era adepta do rubro-negro Vitória ou do tricolor Bahia, porém, do glorioso aurinegro Ypiranga, fundado em 1906, a mais popular das agremiações de Salvador na primeira metade do século passado – time do qual é torcedor o jornalista Antônio Matos, de 69 anos, meu amigo, erudito cronista esportivo e autor de um precioso livro, lançado há dois meses, sobre a conquista da I Taça Brasil, em 1960, pelo Bahia.
O Ypiranga é o terceiro clube que possui mais títulos do Campeonato Baiano. Um total de 10, começando em 1917, ano da Revolução Soviética, e o último, em 1951, data da inauguração do Estádio da Fonte Nova, na região central, à Ladeira da Fonte das Pedras, entre o bairro de Nazaré e o Dique do Tororó. Eram torcedores do Ypiranga, atraídos pela popularidade do clube, alguns daqueles membros do PCB, como o próprio Jorge Amado, biógrafo de Prestes, em 1942, com o título “O Cavaleiro da Esperança”. Amado posaria, orgulhosamente, para o fotógrafo da revista Placar, nos anos 1980, vestindo a camisa oficial do clube, com listras verticais em amarelo e preto, semelhante à do outrora poderosíssimo Peñarol, de Montevidéu, cinco vezes campeão da Taça Libertadores.
Mas havia exceções e uma delas era Armênio Guedes – com quem tive o privilégio de trabalhar, em São Paulo, entre as décadas de 1980 e 1990, nas redações da revista semanal Istoé e no diário Gazeta Mercantil. Torcia pelo Vitória, como eu, considerado por muito tempo o clube predileto das famílias abastadas da ‘Boa Terra’ – a exemplo do que ocorria no Rio, com o Fluminense, e, na capital paulista, com o São Paulo.
Lembro-me de ter visto, na Fonte Nova, durante minha infância em Salvador, a Santa Irmã Dulce apoiando a equipe canária com o grito “Vai Ypiranga!” – cognominado à época, com justiça, de o ‘Mais Querido’. Como aconteceu há 60 anos, endossando, claro, o hábito de freira, no Torneio Início de 1959. A competição marcava em quase todo o País a abertura dos campeonatos estaduais e, naquele ano, contando com a benção da religiosa, o aurinegro conquistaria o Torneio Início – um de seus derradeiros títulos. Uma espécie de ‘canto do cisne’, talvez um milagre, nos intermináveis anos sombrios que acompanham o clube até os nossos dias.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador