Com o distanciamento de 200 anos, convenhamos, são poucos a discordar que o maior vulto político do século XIX foi o francês Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), nascido em Ajaccio, na Córsega, e morto no desterro, aos 52 anos, preso na ilha inglesa de Santa Helena, em meio ao Atlântico, entre a costa de África e o Brasil. Ele é tido como um dos mais reverenciados ícones de toda a gloriosa História da França.
Um prócer à altura de Clóvis (481 – 511), natural da cidade belga de Tournai, unificador das tribos francas e grande conversor da nação ao Catolicismo. Ou de Carlos Magno (742 – 814), nascido na alemã Aachen, monarca francês que inspiraria o futuro Sacro Império Romano Germânico, para organizar a defesa da Europa contra os invasores maometanos. E, logicamente, da celebrada gaulesa de Vosges, Santa Joana d’Arc (1412 – 1431), A Donzela de Orleans, de origem camponesa, heroína da Guerra dos Cem Anos – série de conflitos com a Inglaterra que duraram, na verdade, 106 anos, de 1337 a 1453.
Já o século XX foi assinalado por vários personagens que determinariam o curso da História recente. Pelo menos três dos fundadores da União Soviética estão entre os maiores protagonistas: o russo Vladimir Lenin (1870 – 1924), ideólogo da Revolução de 1917, o ucraniano Leon Trotsky (1879 – 1940), de família judaica, criador do Exército Vermelho, e o georgiano Josef Stalin (1878 – 1953), consolidador do regime comunista. Destacam-se ainda outros ditadores: o alemão nazista Adolf Hitler e o italiano fascista Benito Mussolini – bem como Fidel Castro, que implantou em 1959 o comunismo vigente até hoje em Cuba.
Dois presidentes dos Estados Unidos podem, igualmente, constar da lista: o novaiorquino Theodore Roosevelt (1858 – 1919), do Partido Republicano, instituído pelo kentuckiano Abraham Lincoln (1809 – 1865), e o massachusetano John Kennedy (1917 – 1963), do Partido Democrata, criado, em 1791, por um dos pais da nação, o virginiano Thomas Jefferson (1743 – 1826).
Outro nome possível é o do indomável líder britânico, Winston Churchill (1874 – 1965), nascido em Oxfordshire, ao Sul da Inglaterra. Teria sido o maior dos brasileiros, no século XX, o gaúcho Getúlio Vargas, que, em 1943, entrou na Segunda Guerra, ao lado dos Aliados, enviando tropas para combater na Europa os exércitos da Alemanha e da Itália.
O maior dos lusitanos, segundo votação popular realizada em 2006 pela RTP (Rádio e Televisão de Portugal), teria sido o Professor António de Oliveira Salazar (1889 – 1970), beirão de Santa Comba Dão, que governou com mão pesada por 36 anos (de 1933 a 1969). Vindo depois o coimbrão Álvaro Cunhal (1913 – 2005), secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP).
Mas, aos olhos do mundo, o mais emblemático dos portugueses do século passado foi o General António Spínola, com seu inconfundível monóculo, símbolo da Revolução dos Cravos, deflagrada nas primeiras horas da madrugada do 25 de Abril de 1974, que guiaria o País, por fim, à democracia – conforme evidenciam duas das capas das revistas semanais da época: a americana Time e a brasileira Manchete. Filho de pai espanhol galego, o alentejano Spínola nasceu em Estremoz, distrito de Évora, e foi autor da corajosa obra “Portugal e o Futuro”, em 1973, que rompeu com o governo do lisboeta Marcello Caetano (1906 – 1980), sucessor de Salazar, ao pregar ampla negociação para a descolonização do Ultramar, impulsionando, assim, a Revolução dos Cravos.
Acabaria por ser indicado pela oficialidade das Forças Armadas como o primeiro Presidente da República após o 25 de Abril. Graças, principalmente, ao enorme prestígio que desfrutava na tropa, conduzida tantas vezes por ele em diversos fronts africanos. Sobretudo na ‘areia movediça’ das terras pantanosas da antiga Guiné Portuguesa, denominada hoje Guiné-Bissau, onde foi Governador-Geral e ganharia o epíteto de O General Sem Medo.
Combateu, ali, a poderosa guerrilha do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde), comandada pelo guinéu Amílcar Cabral (1924 – 1973), formado em Engenharia na Universidade de Lisboa e idealizador das duas repúblicas. Cabral contava com o fortíssimo apoio do bloco soviético e de nacionalistas africanos, para além das esquerdas da Europa Ocidental, América Latina e, principalmente, dos comunistas portugueses. Lisboa bateu-se, do Atlântico ao Índico, para preservar os 500 anos de presença no continente. Esteve sempre isolada no universo da ONU (Organização das Nações Unidas). E até mesmo entre os países da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), da qual Portugal faz parte desde sua criação pelos Estados Unidos, em 1949, para conter o expansionismo de Moscou.
Também Spínola terminaria por se exilar no Rio de Janeiro, como o ex-Presidente Américo Tomás (1894 – 1987) e o próprio Caetano, ambos depostos no 25 de Abril. Fora vítima de uma ‘quartelada’, cinco meses depois de empossado, em setembro de 1974, articulada pelo Primeiro Ministro, o intempestivo General Vasco Gonçalves (1921 – 2005), que mergulhara de cabeça no projeto cunhalista de introduzir no País a ‘ditadura do proletariado’, seguindo, como modelo, o obscurantismo búlgaro de matriz stalinista.
Spínola não aceitou a ‘esquerdização’ patrocinada por Gonçalves e teve que fugir para a Cidade Maravilhosa. Só seria ‘reabilitado’ em 1987 pelo então Presidente da República, o socialista Mário Soares (1924 – 2017), maior liderança civil da Revolução dos Cravos, que também passara maus bocados, no verão de 1974, com a guinada do movimento rumo ao comunismo.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador