Uma pergunta que não quer calar… Como seríamos, afinal, se os portugueses tivessem sido derrotados na pernambucana Jaboatão dos Guararapes, em 1649, na Guerra da Restauração, e os holandeses conquistassem definitivamente o Brasil e expulsassem daqui os descobridores lusitanos?
Muitos são os brasileiros, mesmo os descendentes de portugueses, alguns, inclusive, detentores do precioso passaporte luso-europeu, a acreditar, ingenuamente, que seríamos mais civilizados e, principalmente, ricos – como os neerlandeses metropolitanos.
A convicção é mais forte, sobretudo, em Recife, histórica capital nassauciana do Nordeste do País, onde me encontro, no momento, em viagem de pesquisa. Mas não só, também na angolana Luanda, fundada pela Coroa de Lisboa, que, como Recife, esteve no século XVII, sob domínio dos mercantilistas flamengos. Cheguei a ouvir, no próprio Portugal, nos anos 1970 e 1980, que o Brasil teria um destino mais promissor se perdurasse em poder dos holandeses. Teriam feito coro ao pessimismo do ‘Velho do Restelo’, personagem de “Os Lusíadas”, de Luis de Camões (1524 – 1580), que amaldiçoou os embarques das caravelas abarrotadas de compatriotas, nos últimos anos do século XVI, ao partir para dar mundos ao mundo.
O melancólico e supersticioso ‘Velho do Restelo’ temia que a pátria criada três séculos antes por Afonso Henriques (1109 – 1185), O Conquistador, na margem mais ocidental da Europa, perdesse sua independência. Não perdeu e se transformou no maior Império da Idade Moderna. Esquecem, às vezes, deliberadamente, aqui e em Portugal, que a mesma Holanda deu péssimas mostras como colonizadora nas Américas, Áfricas e até na Ásia. Exemplos são países como o Suriname, ao Norte do Brasil, vizinho da Guiana Francesa e da Guiana, ex-território britânico, para além da minúscula Curaçau, no Mar do Caribe, África do Sul, dos protestantes calvinistas Bôeres, e a maior nação maometana do planeta, a Indonésia, na qual estão integradas, hoje, as cobiçadas Ilhas Molucas das especiarias, negociadas com os portugueses.
O que leva a crer que teríamos um futuro melhor se colonizados por Amsterdam? Certamente é a exceção causada pelo visionário alemão Maurício de Nassau (1604 – 1679), nascido em Dilenburg que, contrariando a regra, como preposto da Companhia das Índias Ocidentais, governou o Nordeste brasileiro com o espírito elevado e iluminado – incentivando, na Corte Flamenga, o surgimento de um dos mestres do racionalismo, o luso-holandês, Bento Espinoza (1632 – 1677), de família judaica, refugiada em Amsterdam, para escapar da famigerada Santa Inquisição.
Cognominado O Brasileiro, o Conde de Nassau, cujo retrato a óleo ilustra a coluna, permaneceu na capital pernambucana de 1637 a 1644, quando foi demitido por seus chefes, acusado de ter ‘desperdiçado’ muito dinheiro, ao administrar Recife, abrindo os cofres para a construção de soberbos palácios, como o da Boa Vista, o das Princesas, sede atual do Governo do Estado, jardins, ademais, um zoológico, com elefantes, duas pontes sobre o Rio Capibaribe, as pioneiras nas Américas, e, ainda, uma rede de água encanada e outra de esgoto.
Também foi recriminando por gestores da Companhia das Índias Ocidentais pelo ‘excesso’ de generosidade com que tratava as populações locais, fossem lusitanos, indígenas ou africanos. E pela cordialidade que dispensava aos hebreus, todos de origem portuguesa, como Espinoza, porém, trazidos para cá provenientes do querido bairro judaico de Vlooeinburg, no centro amesterdanês. É lá que, até nossos dias, continua a funcionar a imponente Sinagoga Portuguesa, com seus maciços bancos e pisos em madeira Pau Brasil – e onde, aos sábados, ao pôr do sol, no final do Shabat, o serviço religioso é oficiado no idioma camoniano. Foi Nassau que autorizou a edificação da primeira sinagoga do Novo Mundo, à Rua dos Judeus, na região histórica da Cidade Maurícia – assim chamada em reverência ao mecenas dos trópicos.
Nassau mandou vir da Holanda dois jovens talentosos artistas, Frans Post (1612 – 1680) e Albert Eckhout (1610 – 1665), que, com raro brilho, retrataram os habitantes, dentre eles, silvícolas canibais, elefantes do Jardim Zoológico, os monumentais palácios e as sólidas pontes cruzando o Rio Capibaribe, a flora, animais e paisagens. As primeiras que mostraram o Brasil aos europeus. Já Nassau, acostumou-se em Recife a dormir em rede e, ao retornar ao Velho Mundo, manteve o hábito. E, claro, o epíteto de O Brasileiro. A Holanda nos séculos seguintes jamais voltaria a ser tão liberal, no ultramar, quanto nos anos de Nassau no Nordeste.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador