NUNCA A IMAGEM DO BRASIL NO MUNDO ESTEVE TÃO DESTRUÍDA

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

Entre a eleição de Jair Bolsonaro, no domingo 28 de outubro do ano passado, e sua posse, no primeiro dia deste malfadado 2019, passei mais de 40 dias fora do Brasil. Graças à coincidência de uma série de convites enfileirados (e também por precaução: ninguém sabia o que fariam as milícias bolsonaristas) perambulei pelo Chile, Argentina, Uruguai e México. E tanto de amigos como de desconhecidos ouvi reiteradamente a mesma pergunta: ‘Como é que o seu país elegeu alguém como Bolsonaro?’.

Do primeiro de janeiro para cá, tornei a perambular – outra vez graças a convites, mas acima de tudo para respirar. De novo Argentina, três vezes, e uma vez Portugal

A mesma pergunta de antes veio agora acompanhada de outra, mais contundente: ‘Ninguém reage, ninguém vai fazer nada?’.

Tratei de explicar que desde 2016 um golpe de Estado perfeito foi dado em meu país. Uma conjunção de interesses reuniu a grande mídia hegemônica, o empresariado, os donos do capital, o que de pior existe na política, além de a uma farsa judiciária cometida debaixo do silêncio cúmplice e poltrão dos tribunais superiores. E, claro, tudo isso tutelado por setores das forças armadas.

O objetivo, muito mais do que depor Dilma Rousseff, foi impedir Lula de disputar a eleição. Preparado o cenário, desfechado o golpe, uma opinião pública anestesiada, amnésica e manipulada embarcou na canoa do capitão tresloucado. E pronto.

Cada vez que dei minha visão do panorama, ouvi de volta: ‘Não parecia que uma parcela tão grande fosse tão ignorante e tão reacionária’. Várias vezes ouvi menção à corrupção. E quando isso aconteceu, veio outra pergunta: em qualquer país do mundo pune-se os corruptos e os corruptores, mas não as empresas. Não se destrói a economia. Por que no Brasil aconteceu o que aconteceu?

Quanto ao tamanho do reacionarismo e da ignorância no meio do eleitorado, apenas ponderei que os radicais estampados no direitismo fundamentalista do clã Bolsonaro são menos do que parecem, e que o número de arrependidos – mas nem por isso menos responsáveis pelo que está acontecendo – aumentava de maneira acentuada.

Já com relação à passividade com que os brasileiros se submetem aos desmandos e delírios do clã presidencial, não havia muito a dizer. Foi como se desde a eleição os movimentos sociais e os partidos progressistas tivessem perdido o norte e o rumo.

Fico vendo como Buenos Aires, por exemplo, é literalmente paralisada por manifestantes a cada bestialidade do governo de Mauricio Macri – todas elas muito mais suaves que as do governo de Bolsonaro – e definitivamente não tenho explicação para a falta de reação dos brasileiros.

Agora, um detalhe importante: tudo que relatei até aqui aconteceu antes dos incêndios da Amazônia, dos insultos destemperados de Bolsonaro a dirigentes estrangeiros (e à primeira dama francesa) e quando o material divulgado por The Intercept não tinha escancarado tanto a farsa de Sérgio Moro que levou Lula à prisão.

E mais: a censura ainda não tinha sido instaurada, e o desmantelamento das universidades – tendo principalmente como alvo as pesquisas científicas e acadêmicas – era apenas uma ameaça alarmante.

Agora, a cada viagem me deparo com uma pergunta que, mais que dolorida, é constrangedora: ninguém vai reagir?

Na memória só guardo uma destruição igual da imagem do Brasil no mundo: os tempos da ditadura. Depois, nunca mais. Nem com Collor de Mello, nem com a cleptocracia instaurada por Michel Temer.

O Brasil levou décadas para abrir e consolidar seu espaço no mapa do mundo. Bolsonaro e seu clã levaram oito meses para retroceder muito, muitíssimo mais do que Temer retrocedeu em pouco menos de dois anos.

De tudo que está sendo destroçado em velocidade alucinante e levará um vasto tempo para ser reconstruído, a imagem do Brasil no mundo – e a reconquista do espaço perdido – é um tema que merece atenção.

Muita atenção: afinal, Bolsonaro nem cumpriu um ano de governo. E se aguenta chegar ao fim do mandato, terá tempo de sobra para soprar as cinzas do que restar. Se é que vai restar alguma cinza.

ERIC NEPOMUCENO ” BLOG 247″/ “NOCAUTE” ( BRASIL)

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