A pioneira das Cruzadas, integradas por exércitos de toda a Europa, foi organizada na Idade Média, no início do Segundo Milênio, entre 1098 e 1099, pelo Papa Urbano II (1042 – 1099), nascido na francesa Châtillon-sur-Marne – e terminou gloriosamente. Os cristãos retomaram, com a benção do Sumo Pontífice, o controle da sagrada Jerusalém, palco do martírio e crucificação de Jesus, que caíra em poder dos maometanos na primeira metade do século VII de nossa Era comum.
A fascinante metrópole é venerada, com razão, por judeus, cristãos e muçulmanos, seguidores do monoteísmo revelado há cinco mil anos ao Profeta Abraão. Foi criada três mil anos atrás, no coração da bíblica ‘Terra Prometida’ de Israel – que somente voltaria a tê-la como capital, em 1948, com a reconstrução da pátria idealizada pelo húngaro judeu, Theodor Herzl (1860 – 1904), natural de Budapeste – sob o brasão da Estrela de David.
As Cruzadas se sucederiam por quase 600 anos na defesa dos lugares santos do Cristianismo. Não só em torno de Jerusalém. Como na própria Belém, onde nasceram o Rei David e Jesus Cristo, para além das localidades israelenses de São João de Acre, Jericó e Nazaré, na Galileia, lar de Maria e José. Também nas nevadas montanhas do Líbano, pontilhadas por seus milenares e exuberantes cedros, e na histórica capital síria, Damasco, mais antiga urbe do mundo, na qual o legionário romano judeu, Paulo de Tarso, se converteria ao Catolicismo, tornando-se, em seguida, o Apóstolo São Paulo, que, com São Pedro, se estabeleceria numa das sete colinas de Roma, a do Vaticano, única à margem direita do Rio Tibre. Jerusalém seria, contudo, reconquistada pelos islâmicos, em 1187, na Batalha de Hattin, quando os cristãos foram derrotados por um iraquiano de origem curda, Salah al-Din, que chamamos de Saladino (1139 – 1193), natural de Tikrit. Como outro famoso compatriota, Saddam Hussein (1937 – 2006), o Califa de Bagdá, destituído e enforcado pelos Estados Unidos.
A última das Cruzadas aconteceria, entretanto, em 1717, contra a fortíssima armada do Império Turco-Otomano, travando os embates navais no Mediterrâneo Oriental, próximo ao Kávo Matapás, nome helênico do Cabo de Matapão, no ponto mais meridional dos Bálcãs, na extensa Península do Peloponeso, ao Sul da Grécia. E, para surpresa de alguns estudiosos, os grandes protagonistas da vitória sobre a Marinha de Istambul foram os portugueses – embora haja pouquíssima bibliografia a respeito dos ganhadores de Matapão… Mesmo em Lisboa. Os lusitanos enviados pelo Rei Dom João V (1689 – 1750), O Magnânimo, acostumados aos conflitos nas Áfricas, Ásia e Américas, se juntaram às frotas dos territórios do Estado Pontifício da Santa Sé, na Península Itálica, à Ordem dos Cavaleiros de Malta, ao Grão-ducado da Toscana e à valorosa esquadra da Sereníssima República de Veneza.
Os portugueses conseguiram conter o expansionismo dos sultões istambuliotas na Europa, onde já haviam sido rechaçados no Rio Danúbio, nas águas da austríaca Viena, da sérvia Belgrado e de Budapeste. Os otomanos eram senhores da antiga Constantinopla, capital de Bizâncio, rebatizada para Turquia, e continuavam presentes também na Grécia e em outras áreas balcânicas – como Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Macedônia, Kosovo, Albânia, Romênia e Bulgária.
Mais curioso ainda no triunfo português, cuja armada acabou ocupando a linha de frente, deixando para trás as naves papalinas e, sobretudo, as venezianas, atrasadas por causa dos ventos desfavoráveis, é que a principal embarcação de guerra dos lusos, batizada como Nossa Senhora do Pilar, fora construída dois anos antes, em 1715, não nos estaleiros de Lisboa ou do Porto, porém, em Salvador, então capital do Brasil, na Cidade Baixa, no bairro da Ribeira, no Porto dos Tainheiros – onde, aliás, até hoje são realizadas as regatas do Campeonato Baiano de Remo.
Comandado no Mediterrâneo pelo Almirante Lopo Furtado de Mendonça (1661 – 1730), o Conde do Rio Grande, nascido na Corte dos Bragança, o galeão baiano foi considerado o mais possante da Cristandade – conforme obras de relevância, entre as quais, o ensaio publicado em 1964, “Dom João V, o Homem e a Sua Época”, do historiador português Mário Domingues (1899 – 1977), nascido na Ilha do Príncipe, ex-colônia lusitana em África, atual República de São Tomé e Príncipe.
Retrato de Furtado de Mendonça ilustra a coluna. Quarenta e seis anos depois da Batalha de Matapão, Salvador perderia a condição de capital do Brasil para o Rio de Janeiro, em 1763, por determinação do poderoso Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782), o célebre Marquês de Pombal, espécie de Primeiro Ministro do Rei Dom José I (1714 – 1777), O Reformador – e, assim, os estaleiros também foram transferidos para a Baía da Guanabara. Mas deixaram para sempre com os mestres navais da Ribeira, na soteropolitana Península de Itapagipe, os louros pela epopeia dos Cruzados do Conde do Rio Grande no grego Peloponeso.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e escritor