O primeiro europeu a pisar nas terras do Brasil, segundo alguns estudiosos lusitanos, bem como trabalhos realizados na Espanha e na França, não teria sido o fidalgo da Beira Baixa, Pedro Álvares Cabral (1467 – 1520), natural de Belmonte, que, à caminho da Índia, conforme a versão consagrada em nossa História comum, aqui chegou, no dia 22 de abril de 1500, uma quarta-feira, ancorando suas 13 naus em Porto Seguro, ao Sul da Bahia.
No domingo seguinte, quatro dias depois, de acordo com relato do escrivão da expedição, o tripeiro Pero Vaz de Caminha (1450 – 1500), Cabral mandaria celebrar uma Missa, assistida também por indígenas da tribo Tupiniquim, na praia da Coroa Vermelha, na localidade de Santa Cruz Cabrália, 23 quilômetros ao Norte de Porto Seguro. Tampouco o descobridor do imenso Portugal do Novo Mundo teria sido o mercador e cosmógrafo italiano florentino Amerigo Vespucci, que conhecemos como Américo Vespúcio. Ele navegou em 1499 no Rio Orinoco, que atravessa de Norte a Sul a Venezuela, banhando, ainda, extensões da Colômbia e formando o Rio Amazonas. Ou sequer o espanhol Vicente Yáñez Pinzón (1462 – 1514), nascido na andaluza Palos de la Frontera, que, no dia 26 de janeiro de 1500, teria alcançado o Cabo Santo Agostinho, no litoral de Pernambuco.
Diversos são os pesquisadores, entretanto, a acreditar ser o verdadeiro descobridor do Brasil o irrequieto lisboeta Duarte Pacheco Pereira (1460 – 1533), exímio navegador e homem de confiança do Bem-Aventurado Rei Dom Manuel I (1469 – 1521) – que desejava informações sigilosas sobre as áreas asseguradas a Portugal, ao Sul das Américas, pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, na cidade de Castela de mesmo nome. Considerado um gênio da Astronomia e da Geografia, Duarte Pacheco teria visitado o Brasil há quase 521 anos, de novembro a dezembro de 1498, tendo percorrido trechos setentrionais, entre os estados do Maranhão e do Pará. Esteve, inclusive, na Ilha de Marajó e foi à foz do Amazonas. Ele teria chegado, portanto, dois anos antes de Cabral – e precedido Vespucci e Pinzón.
Duarte Pacheco, cujo retrato ilustra a coluna, já havia sido enviado às negociações de Tordesilhas, como observador do Rei Dom João II (1455 – 1495), o celebrado Príncipe Perfeito, primo e cunhado de seu sucessor, o outrora Duque de Beja, que viria a ser Manuel I. E, por isso, sendo sabedor das minúcias do Tratado, foi escolhido pelo Bem-Aventurado, quatro anos mais tarde, para fazer a viagem exploratória – cinco meses após a memorável ida à Ásia do Almirante Vasco da Gama, aportando em Calecute, na Índia, valiosíssima, à época, devido à riqueza das especiarias. Ficaria ‘desaparecido’ por quatro séculos o precioso relatório reservado e cifrado de Duarte Pacheco a Manuel I, de 200 páginas, dividido em cinco capítulos, elaborado de 1505 a 1508, narrando suas andanças pelo Brasil e às Áfricas, onde comandou a inexpugnável Cidadela de São Jorge da Mina, no Atlântico, na costa de Gana.
Uma cópia dos originais de “cosmografia e marinharia”, subtítulo do próprio Duarte Pacheco, só seria encontrada quase ao final do século XX, no bairro de Alvalade, em Lisboa, nos labirintos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo – antigo Arquivo Geral do Reino. A obra é intitulada, em latim, “Esmeraldo de situ orbis”, ou seja, “O Tratado dos Novos Lugares da Terra”. Esmeraldo seria o anagrama, no vernáculo romano, formado pelas iniciais dos nomes de Manuel (Emanuel), o Rei, e Duarte (Eduardus), o navegador. Foi precisamente em cima desses textos que o historiador açoriano Jorge Couto, de 68 anos, da Universidade de Lisboa, publicaria, em 1996, o livro “A Construção do Brasil”, no qual expõe a tese de que Duarte Pacheco foi o primeiro a chegar ao território posteriormente integrado ao vasto Império de Portugal.
Mais destacado ‘brasilianista’ do mundo lusíada, Couto influenciaria, por sua vez, outros pesquisadores compatriotas. Um deles, o ribatejano José Manuel Garcia, de 63 anos, da Faculdade de Letras da capital portuguesa, autor de ensaios acadêmicos sobre os Descobrimentos, sustenta que a conclusão de Couto se tornou referência obrigatória. Também endossado por especialistas estrangeiros, como o espanhol andaluz, Juan Gil, 80 anos, da Universidade de Sevilha, datado de 1989, e o francês da região de Lille, Serge Gruzinski, 70 anos, do parisiense Centre Nationale de la Recherche Scientifique (CNRS), lançado em 1992.
Depois do périplo, como explorador ‘adelantado’ secreto, Duarte Pacheco partiu em 1503 com destino à Índia, na armada do Leão dos Mares, o alhandrense Afonso de Albuquerque (1452 – 1515), Vice-Rei do Império Português do Oriente. Participou heroicamente na defesa da indiana cidade de Cochim, em 1504, contra os invasores maometanos da vizinha Calecute – sendo recebido em festa nas ruas na volta a Lisboa. Regressaria, em seguida, à Cidadela de São Jorge da Mina, de onde, vítima de denúncias na Corte de seu ‘padrinho’, Manuel I, seria conduzido ‘a ferros’, em 1522, às masmorras da Metrópole, acusado de embolsar parte de impostos arrecadados pela feitoria lusa. Seria ‘anistiado’ em 1529, após a morte de Manuel I, pelo novo Rei, Dom João III (1502 – 1557), que passou à História, não sem razão, com o epíteto de O Piedoso. Duarte Pacheco morreria, sem pomba e circunstância, aos 73 anos, na sua Lisboa natal, despojado da glória que lhe é atribuída hoje, por muitos, de ter sido o legítimo descobridor do Brasil.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO ” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador