DIAS PIORES VIRÃO

Poucos motivos para ser otimista

Presidente Jair Bolsonaro ‘atropela qualquer um que aflija ou incomode um de seus rebentos’, diz Thomas TraumannSérgio Lima/Poder360 – 22.jul.2019


O mundo vai parar de crescer


Presidente vai apostar nos filhos


Congresso Nacional deve reagir

Poucos motivos para ser otimista

THOMAS TRAUMANN 
20.ago.2019 (terça-feira) – 5h50
atualizado: 20.ago.2019 (terça-feira) – 9h52

Jair Bolsonaro tem uma fraqueza exposta, seus filhos. Ele atropela qualquer um que aflija ou incomode um de seus rebentos. Para ajudar o filho mais velho, o senador Flavio Bolsonaro, o presidente transferiu o Coaf para o Banco Central como pretexto para demitir o chefe da instituição. Anunciou e depois adiou a demissão do secretário da Receita Federal, obrigando-o a exonerar seu principal auxiliar. O presidente humilhou o ministro Sergio Moro ao anunciar a troca do novo superintendente da Polícia Federal no Rio. Prestes a indicar o novo procurador-geral da República, Bolsonaro tem se aconselhado com o advogado de Flavio, Frederic Wassef.

O que o Coaf, Receita Federal, Polícia Federal e PGR têm em comum? Todas participam das investigações sobre o desvio de salários de servidores da Assembleia Legislativa, que entre outros políticos envolve Flavio Bolsonaro. O presidente faz o uso escandaloso da máquina do Estado para enterrar a investigação, até o momento sem reação do Congresso.

É ingenuidade supor, no entanto, que corporações como a PGR, PF e Receita que, nos últimos anos agiram com independência, irão agora aceitar passivamente serem tuteladas pelo Planalto. Haverá uma disputa, similar a que nos Estados Unidos Donald Trump trava com o deep state, o estamento burocrático do Estado.

Para o filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro, o presidente demitiu os ministros Gustavo Bebianno e Santos Cruz, além de trocar dois secretários de imprensa e transferir seu porta-voz. Carlos coordena a guerrilha digital bolsonarista, eixo do ativismo contra políticos, a mídia e, por vezes, os generais.

Para Eduardo Bolsonaro, o 03, o presidente ofereceu a Embaixada de Washington. Será uma votação equilibrada. Enquete do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que apenas 15 dos 81 senadores já declaram votos certos para a indicação do filho presidencial. A maioria, 37, preferiu não revelar seu voto e 29 já se posicionaram contra. Embora seja difícil imaginar o Senado barrar a indicação de Eduardo, o que seria tomado como uma declaração de guerra, é provável supor que eles aproveitem esse momento de força para impor sua agenda ao governo, como a renegociação das dívidas dos Estados em condições vantajosas.

É paradoxal. Enquanto inflama o público com declarações autoritárias, Bolsonaro se coloca em posição de fraqueza juntos aos políticos, à mídia e às principais corporações do Estado para atender os filhos.

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Políticos têm um léxico peculiar. Falam em “visitar as bases” quando querem dizer conversar com prefeitos e parentes. Dizem “relações republicanas” quando se dá um encontro que não trata de dinheiro e inventaram a expressão “recursos não-contabilizados” para caixa 2. Falam as piores verdades uns para os outros entrecortadas com um “vossa excelência” no discurso. Recentemente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse o seguinte em uma palestra na Fundação Lemann: “Como defendemos a democracia, Bolsonaro é o que temos até 2022”.

Dias depois, o senador Tasso Jereissati, relator da emenda de reforma da Previdência, disse algo parecido: “E impeachment, não existe essa palavra mais. Então, vamos ter que conviver com ele. O país não aguenta mais um terceiro impeachment. Votei pelo impeachment de Dilma, mas tenho que reconhecer que nós ainda estamos pagando um preço por isso”

No Twitter, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apoiou Tasso: “(Ele) sabe que impeachment não cabe. Coincide comigo: é preciso ter paciência histórica”.

Lidas de uma só vez, as frases de três dos políticos favoritos do establishmentcoincidem no diagnóstico de que a única saída é suportar Bolsonaro até 2022. Mas, como dito acima, políticos falam nas entrelinhas. O que está subentendido é que nesse momento não existe ambiente para o afastamento congressual do capitão. Nesse momento.

Depois da promulgação da reforma da Previdência, o establishment político vai abrir todas frentes para controlar Bolsonaro e não ser esmagada. Se em 2018, Bolsonaro jogou para vencer a Presidência, em 2022 ele vai querer a reeleição e o Congresso também. Os políticos sabem disso. Se não conseguirem impor limites à ação do presidente por bem, tentarão por mal.

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Se na política a guerra é questão de tempo, na economia ela já começou. Mesmo com a liberação do FGTS, o Brasil vai crescer menos nesse ano do que em 2017 e 18. Já em setembro pode faltar dinheiro para emissão de passaportes, compras hospitalares e manutenção de estradas. O déficit deste ano pode explodir se o leilão de campos do pré-sal marcado para novembro for adiado (a lei da divisão dos royalties do leilão precisa ser aprovada pelo Congresso e o suas regras aceitas pelo Tribunal de Contas da União).

O cenário para o ano que vem também é desanimador. O hiato de produto nas empresas é tão grande que mesmo que ocorra uma retomada setorial, será nas condições atuais, ou seja, sem a contratação de novos empregados ou compra de equipamentos. A previsão inicial do PIB para o ano que vem era  2%, mas já caiu para 1,6% e 1,5%, dependendo do banco.

O mundo piorou muito nas últimas semanas. A gangorra de ameaças da disputa comercial Estados Unidos–China, as dúvidas sobre os efeitos práticos do Brexit, a desaceleração alemã, o impasse em Hong Kong e o abismo da Argentina são os registros mais recentes de uma freada na economia.

O mundo vai crescer menos nos próximos anos, especula-se até uma recessão global. Isso significa que, com a notável exceção dos campos de pré-sal, haverá menos investidores dispostos a arriscar seu dinheiro nas privatizações, vendas de ativos federais e leilões de concessão de rodovias e aeroportos brasileiros.

À estagnação mundial, se soma a péssima imagem do Brasil no exterior. Depois dos britânicos The Guardian e The Economist, foi a vez da alemã Der Spiegelpropor um boicote a produtos brasileiros pela desastrosa política ambiental. Ex-ministros da Agricultura que já tiveram de acordar cedo para trabalhar, como Blairo Maggi e Kátia Abreu, alertaram publicamente sobre a possibilidade de os europeus criarem salvaguardas contra produtos brasileiros. Desde que tomou posse, Bolsonaro ofendeu ou criticou os seguintes países ou seus dirigentes: Alemanha, Argentina, China, Cuba, França, Irã, países árabes, Noruega e Venezuela. Suponha que um democrata vença as eleições americanas de 2020 e o Brasil virará um pária.

É muito melhor ser otimista e achar que todos os indícios relatados no texto são exagerados e que no final a gente vai levando. Torço para estar errado, mas se eu fosse você, me preparava para dias difíceis.

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, é adorado pelo mercado. Fundador de banco, operador de câmbio, trader de hedge, Guedes fala a língua dos executivos, com a base acadêmica da Universidade de Chicago. No poder, o ministro foi contaminado pelo tom histriônico do presidente. Nas últimas semanas já se nota um certo fastio do discurso guedista, sempre exagerando nos números, minimizando dificuldades e desmerecendo críticos.

Com uma crise real à frente, Guedes precisa aprumar o discurso para um tom mais realista e menos bolsonarista. Ele vai precisar do apoio dos bancos e do empresariado quando o presidente lhe cobrar medidas de curto prazo.

THOMAS TRAUMANN ” BLOG PODER 360″ ( BRASIL)

Thomas Traumann

Thomas Traumann, 52 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp).

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