A Pesquisa Focus que o Banco Central divulgou nesta segunda-feira. 19 de agosto, mostrou o mercado financeiro tranquilo quanto ao andar da inflação. Apesar das turbulências na taxa do dólar, com o impacto das escaramuças entre Estados Unidos e China reverberando mais, devido à crise na Argentina, com o esfarelamento político do governo Macri, o mercado não vê risco de a inflação sair do controle.
Para a mediana do mercado, o IPCA deste ano vai fechar em 3,71% (3,76% na pesquisa anterior) e em 3,90% em 2020. Com a despencada dos preços das commodities agrícolas e minerais (petróleo e minério de ferro) em função da guerra comercial sino-americana, o Bradesco reduziu a taxa deste ano de 3,8% para 3,5%, elevando a o IPCA de 2020 de 3,8% para 3,9%. Já o Itaú espera 3,6% para este ano e 2020. O Itaú calcula que a taxa do IPCA em 12 meses chegará a cair até 2,8% em outubro, subindo em novembro e dezembro a 3,60%.
Isso significa que há espaço para o Banco Central baixar fortemente os juros para tentar fazer a economia reagir e o desemprego diminuir.
O Itaú prevê, há mais de um mês, que a taxa Selic, atualmente em 6% ao ano, caia para 5% este ano e se mantenha neste patamar até dezembro do ano que vem. O Bradesco, que até duas semanas apostava na Selic em 5,50%, desde o dia 12 de agosto prevê que ela desça a 5% e até admite que possa ficar abaixo desse patamar, no menor nível histórico das taxas de juros no país.
O que muda para o investidor
Infelizmente, há sempre o outro lado da moeda. A baixa de juros que os dois maiores bancos privados estão prevendo só está ocorrendo na ponta do investidor. A taxa Selic serve de piso à captação dos bancos (aplicações do investidor). Para o tomador de crédito, as taxas estão nas alturas (até aumentando em termos reais, descontando a inflação que é declinante e está na faixa dos 3%) e seguem descendo lentamente, como algumas paradas, pela escada.
Mas o efeito para o investidor é terrível. Já faz muitos anos que não se obtém juros mensais de 1% nas aplicações do mercado financeiro, nos chamados fundos de renda fixa ou no mais popular, o fundo de DI (depósito interfinanceiro) ou na caderneta de poupança.
O Itaú tem um interessante levantamento sobre as rentabilidades médias mensais dos DIs nesta década. Na violenta recessão de 2015 (PIB encolheu 3,5%) e 2016 (-3,3%), o DI rendia, em média, 1% ao mês (com a taxa de administração o rendimento líquido ficava mais baixo, às vezes perdendo para a poupança).
Juro mensal cai de 0,8% para 0,4% em dois anos
Entretanto, com a queda na taxa Selic promovida no governo Temer, que a baixou, a partir de outubro de 2016, dos 14,25% ao ano em que estava desde julho de 2015 no governo Dilma (numa escalada iniciada em outubro de 2014, quando saltou de 11% para 11,25%, logo após o resultado da reeleição), desde março de 2017, quando a Selic já estava em 11,25%, não se obtém rendimento bruto superior a 1% ao mês no DI.
Em dezembro de 2016 era de 1,07%. Caiu para 1,01% em fevereiro de 2017 e foi baixando sucessivamente. No mês de junho era de 0,81% e em dezembro, o DI pagava rendimento bruto (fora a taxa de administração) de 0,56%.
A taxa Selic continuou caindo até março de 2018, quando estacionou em 6,50% ao ano. Enquanto estava neste patamar, o rendimento bruto do DI era de 0,52% ao mês. Mas com a queda para 6% em 31 de julho, o rendimento mensal baixou naquele mês para 0,48% e para 0,46% em agosto.
Como o Itaú, o Bradesco e todo o mercado prevêem nova baixa de 0,50 ponto percentual da Selic na reunião do Comitê de Política Monetária dias 17 e 18 de setembro, com a Selic a 5,50% ao ano e eventualmente nova baixa de 0,50 p.p em 30 de outubro ou duas quedas de 0,25 p.p. em outubro e 11 de dezembro. O Bradesco já acena com algo abaixo de 5% este ano (4,75%?).
A redução do rendimento a conta-gotas
Para o investidor brasileiro, que era essencialmente um rentista, usufruindo tranquilamente ganhos mensais de 1% ou mais aplicando em papéis do Tesouro (diretamente via Tesouro Direto, ou indiretamente nas carteiras de DIs dos bancos e corretoras, que são majoritariamente compostas por papéis do Tesouro, de maior liquidez), a mudança o expulsa da zona de conforto.
O Itaú está prevendo que a taxa bruta do DI caia em novembro para 0,40% ao mês e assim siga até dezembro de 2020.
Em outras palavras, quem quiser ganhar mais no mercado financeiro vai ter de correr riscos. Ou apertar os cintos nas despesas.
Ganhar mais exige correr mais riscos
Há bancos e corretoras que têm eficientes modelos de investimentos que permitem ao investidor ter ganhos mesmo quando o Ibovespa (o índice da bolsa brasileira) cai. São as chamadas operações de travas que limitam perdas nas baixas e maximizam ganhos nas altas.
É que o Ibovespa é composto por mais de 60 ações de empresas com grande movimentação e liquidez diária (facilidade de compra e venda) na B3. O maior peso é das ações do Itaú Unibanco (pouco mais de 9%), seguido por Vale (pouco mais de 8%). Nem todas sobem ou caem no mesmo dia.
Com as turbulências internacionais e a crise da Argentina (cujo mercado financeiro tem no dólar tantas transações diárias quanto com pesos), dólar e ouro estão entre as maiores rentabilidades do ano.
Mas se trata de um mercado arriscadíssimo e para peixes grandes.
Tanto se pode perder ou ganhar muito nas oscilações, como ainda há o risco de ser chamado pela Política Federal ou a Receita Federal para se explicar caso seja apanhado numa lista de investidores em doleiros como Dario Messes, o “rei dos doleiros”, preso no mês passado pela PF, em São Paulo.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)