O capitão Bolsonaro não é um politico normal. Não por ser “espontâneo” e “franco”, como alguns afirmam, comparando-o ao estereótipo do politico tradicional e vendo uma qualidade em sua anormalidade.
Normais, ao longo de sua vida e na Presidência, foram Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma e mesmo Temer, cada um à sua maneira e apesar de suas diferenças. Podemos não admirar a nenhum deles e ter forte rejeição a vários, mas os sete foram normais e fizeram sua carreira dentro da democracia.
Bolsonaro não. Nem nas atitudes, nem no comportamento, o capitão mostra ter apreço pelos valores ou respeito pelos códigos de conduta democráticos. Se quisermos encontrar alguém semelhante, quem vem à mente é o ex-presidente que proclamava que “prendia e arrebentava” e que preferia cheiro de cavalo ao de povo. O capitão consegue, no entanto, ser um João Figueiredo ainda pior, que sequer chegou a general.
Nas democracias, políticos normais, quando disputam cargos majoritários, buscam obter o máximo possível de votos. Ganhar é bom, mas melhor é ganhar por larga margem. Não por acaso, essas vitórias são chamadas consagradoras.
Depois da performance surpreendente de Trump no último pleito nos Estados Unidos, tivemos que admitir a existência de outro modo de ganhar eleições. Não foi buscando o máximo possível de votos que Trump venceu: queria apenas o mínimo suficiente para superar a adversária. Deu-se bem, apesar de derrotado no voto popular do conjunto do país e de receber somente cerca de 70 mil votos a mais (equivalentes a 0.0005% do eleitorado) em três estados, onde a eleição se resolveu.
Foi um caso excepcional. De um lado, porque só deu certo dentro das regras peculiares do sistema eleitoral de lá. De outro, porque fez um tipo novo de trapaça, para o qual ninguém estava preparado. Seu uso ilegal das redes sociais não se repetirá, no entanto, pois todos o estarão aguardando. Trump pode até se reeleger, mas por motivos convencionais, diferentes dos que explicam sua vitória.
Quando Bolsonaro fala dirigindo-se ao núcleo que o apoia na sociedade, não faz como o ídolo. Trump age para manter seu eleitorado mobilizado e busca os temas potencialmente mais eficazes naquele ambiente institucional. Não é isso que o capitão faz, pois tem, ao que parece, outra meta.
O comportamento de Bolsonaro, sua capacidade de inventar impropriedades gratuitas, afugentar eleitores e assustar possíveis novos apoiadores, não é normal. Para que desafiar o bom senso e os sentimentos de pessoas comuns, que vivem fora de bolhas ideológicas amalucadas e não compartilham sua violência verbal e a ilimitada disposição para agredir e humilhar?
O capitão abriu mão da ideia de formar uma maioria para sustentar o governo e disputar com chances a reeleição, por reconhecer que, para ele, é um sonho inalcançável. Ao que parece, desistiu também de executar uma estratégia à la Trump, pois será muito difícil repetir as manobras imorais que usou em 2018.
Seu cálculo é que a coalizão anti-esquerda, formada por militares, banqueiros, a Globo, políticos, bispos empresários, a maioria do Judiciário, do Ministério Público e outras corporações, permanecerá unida. Ele não é o candidato preferencial de nenhum de seus integrantes, mas pode obrigá-los a engoli-lo, impedindo que busquem opções melhores, desde já e em 2022.
O que lhe resta é enveredar por um caminho que nada tem de democrático. Antes, que é inteiramente antidemocrático (o que não o detém).
O capitão investe na formação de uma milícia ideológica, um núcleo largamente minoritário na sociedade, mas suficientemente grande para ameaçar as instituições e seus atores. Deve acreditar que serão poucos os políticos com coragem para enfrentá-lo no Congresso, os jornalistas dispostos a criticá-lo, os magistrados que ousarão decidir contra ele, os procuradores que o investigarão, as cidadãs e cidadãos que sairão às ruas para repudiá-lo, sabendo que terão que enfrentar os milicianos bolsonaristas e se expor à violência.
Quem confia na democracia e sabe quão tosco é o capitão aposta que isso não dará certo. Bolsonaro imagina que vencerá. Sua meta não é ter o apoio de 50% mais um dos votantes ou de 30% da sociedade. O que quer é uma matilha pronta para morder, uma milícia que, a seu comando, saia para bater nos outros.
MARCOS COIMBRA ” BLOG 247″ ( BRASIL)
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi