Nos últimos dias, dois ex-presidentes da República manifestaram-se preocupados com os rumos do atual governo. Em entrevista às repórteres Denise Rothenburg e Ana Dubeux, José Sarney afirmou que Jair Bolsonaro “está colocando todas as cartas na ameaça do caos”. Fernando Henrique Cardoso, nas redes sociais, recomendou a leitura do que disse o antecessor e completou: “O atual presidente deve aprender que o país precisa de coesão e rumos. Anunciar o caos pelas redes sociais recai na própria cabeça.”
Os conselhos ao governante de plantão, certamente, foram ignorados. Para o presidente da República e seus seguidores virtuais, Sarney e Fernando Henrique são tratados com desprezo — basta dar uma olhada nos comentários postados na conta do tucano.
Bolsonaro não leu — e nem o PSDB parece ter dado muita importância — um artigo que Fernando Henrique escreveu oito anos atrás (“O papel da oposição”). Segue atualíssimo. Além de ser uma tentativa de apontar caminhos para a construção de um discurso tucano, chegou a antecipar os protestos de 2013:
“Talvez as discussões sobre os meandros do poder não interessem ao povo no dia a dia tanto quanto os efeitos devastadores das enchentes ou o sufoco de um trânsito que não anda nas grandes cidades. Mas, de repente, se dá um ‘curto-circuito’, e o que parecia não ser ‘política’ se politiza.”
Ainda não se sabe se os protestos de 15 de maio contra cortes na Educação foram a primeira faísca de um novo curto-circuito, mas Bolsonaro parece disposto a desencapar os fios quando incentiva militantes a irem às ruas contra os políticos.
O governo que anuncia cortes ainda não ofereceu nada em troca. O mantra da reforma da Previdência, um dos pilares de sua campanha, como chave da porta para um novo mundo já não encanta nem os partidários da agenda liberal. Basta ver as declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reconhecendo que mudar o sistema é, sim, importante, mas não suficiente para resolver a situação de 13 milhões de desempregados nem melhorar os índices indigentes da economia.
No Congresso, apesar de tudo, a reforma anda. Diante da falta de vocação e de talento do presidente para a Política, instalou-se um “parlamentarismo branco”, em que Maia é hoje uma espécie de primeiro-ministro. Faltou liderança ao presidente para conduzir o processo.
Demonizar o Centrão pode animar redes sociais, mas esse grupo de parlamentares esteve presente em todos os últimos governos — para o bem e para o mal, com erros e acertos. Novamente citando Fernando Henrique, cabe ao presidente de plantão comandar “o atraso” para obter resultados. Ele e Lula conseguiram alguns.
Hoje, o Congresso delineia uma agenda descolada do Planalto. Além da Previdência, tramita um projeto de reforma tributária. Em três semanas, será concluída a votação do Orçamento impositivo. E restrições à edição de medidas provisórias também estão em análise, no Senado. O Parlamento furou o Planalto.
Em outubro, pouco antes do primeiro turno da eleição, em entrevista à revista Época, Sarney já antevia os problemas de Bolsonaro. Sem citar o nome do então candidato, o ex-presidente afirmou: “Quando líderes são formados do dia para a noite, temos o impeachment.” Nesses tempos estranhos, vale a pena ouvir os mais velhos.
LYDIA MEDEIROS ” BLOG OS DIVERGENTES” ( BRASIL)