Como acontece em momentos decisivos, a reconstituição dos fatos mais relevantes ocorridos nos últimos dias parece indispensável para se tentar imaginar o futuro próximo.
Atingido por um ataque ofensivo de Olavo de Carvalho, a resposta do general Villas Boas ao guru da Virgínia não foi apenas excêntrica. Revelou a impotência de uma autoridade que, sem forças para dar uma resposta à altura no plano político e até moral, preferiu refugiar-se numa postura artificial de superioridade intelectual, de quem não irá rebaixar-se para debater com um tipo desqualificado.
Instalado num cargo de segundo escalão do Gabinete de Segurança Institucional, o gesto de Villas Boas revela uma relação entre os personagens. Olavo de Carvalho xinga, ofende, agride. O general faz referências laterais — Trotsky de direita — e comentários intelectualizados, chegando a ouvir uma réplica moralmente inaceitável, onde se define uma hierarquia de poder entre um militar que ocupou todos os degraus da hierarquia e um ex-jornalista, ex-astrólogo e filósofo não diplomado.
O guru não fez isso porque é um intelectual especialmente capaz. Mas porque o presidente — em silêncio nem sempre constrangido — quer assim. Apoia e autoriza.
Embora tenha sido capaz de prestar tributo a atuação de Villas Boas na campanha presidencial, quando o então Comandante do Exército chegou a disparar um tuíte pressionando o STF a impedir a candidatura de Lula, Bolsonaro até deu a impressão que o comandante teria uma posição intocável no governo. Uma espécie de grande eleitor secreto. Villas Boas chegou a ser reverenciado como se comandante ainda fosse.
No momento em que os repórteres lhe perguntaram sobre o “bosta engomada”, o “cu que que não para de cagar o dia inteiro”, Bolsonaro nada tinha para criticar.
Para não deixar dúvidas, sublinhou o papel de Olavo de Carvalho naquela que sempre considerou a luta principal de seu governo: “seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de centenas de milhões é reconhecido por mim”.
Como Villas Boas não é o único alvo do guru da Virgínia, o caso mostra que há algo mais largo e profundo em curso. Nas mesmas circunstâncias, Mourão encontra-se silenciado, acusado de valer-se da posição de vice para oferecer-se como uma “alternativa de bom senso” ao titular. Não há duas vozes, duas opiniões. Se Mourão portou-se como uma barreira de contenção em horas graves — como a Venezuela –, Bolsonaro não apenas alinha o país com as opções mais radicais contra Maduro, mas foi o primeiro a chamar a atenção para um eventual novo risco num velho vizinho, Cristina Kirschner.
Idem para o general Santos Cruz. Em nome daquilo que lhe parecia a defesa da unidade do governo, objetivo mais do que em função da posição que ocupa, teve a ousadia de pensar em controlar a guerra nas redes sociais e se tornou a bola da vez.
O processo em curso está cada vez menos nebuloso. Os comandantes militares que conduziram as Forças Armadas ao longo dos governos Lula e Dilma até nossos dias pagam o preço de uma ilusão política, que eles assumiram e passaram adiante.
Imaginaram que o apoio compacto ao candidato Bolsonaro, com um fundo ideológico que o professor Eduardo Costa Pinto sublinhou com clareza no texto “Bolsonaro e os Quarteis: a loucura como método” seria recompensado por uma partilha efetiva do poder depois da posse. Quem sabe tutela.
Portavam-se como irmãos mais velhos, aqueles que, mesmo sem dar palmadas nos mais jovens, tem direito a falar grosso nas horas difíceis — e piscar o olho quando o caçula mostra que não entendeu direito a lição de casa.
Em quatro meses de governo, Olavo de Carvalho ajudou Bolsonaro a colocar todos em seu devido lugar. Não estão no governo para mandar, mas para obedecer. Se for necessário, calados e humilhados.
Qualquer que seja o fundamento econômico, o anunciado corte de 43% em seu orçamento, jamais visto nos governos do “marxismo cultural” e do “politicamente correto” de Lula e Dilma, é uma nova demonstração de prestígio dos comandantes militares.
Alguma dúvida?
PAULO MOREIRA LEITE ” BLOG 247″ ( BRASIL)